Vladimir Souza Carvalho *
Estamos indo do Porto para Guimarães. O motorista, com a cara de Eduardo Suplicy gordo, reage de forma grosseira ao termo moço que Pedro, de seis anos, lhe dirige para fazer alguma pergunta, que termina sem ser formulada. Proclama sua indignação. Esclareço, na tentativa de jogar água na fogueira, que, no Brasil, moço significa jovem, pessoa de pouca idade, acrescentando ser comum palavras, entre Portugal e Brasil, terem significados diferentes.
Invoco o termo rapariga (v.g.: As singularidades de uma rapariga loura, conto, de Eça de Queiroz): em Portugal, moça, jovem; no Brasil, amante de alguém. Peço-lhe para, vindo ao Brasil, não chamar nenhuma jovem de rapariga. Por fim, o homem parece convencido. Mas, mesmo assim, ainda me pergunta se, no Brasil, efetivamente, ninguém se ofende sendo chamado de moço.
Em Guimarães, no dia seguinte, em restaurante, cujas mesas ficam abrigadas por enormes toldos, comuns na pátria lusitana,em pleno sítio histórico da velha comunidade onde a unificação portuguesa foi plantada por Afonso (daí o acréscimo de Guimarães - Afonso de Guimarães), o dono, em conversa amistosa, ante nova investida de Pedro (alheio à discussão travada no dia anterior), revela o significado de moço, que tanto perturbou o motorista. É pessoa de recado. Que ofensa, penso eu.
Prossigo. Na Praça da Figueira, em Lisboa, em casa comercial, vejo o anúncio: camisola da seleção espanhola - 60 E. Ora, camisola, entre nós, representa a roupa de dormir usada pela mulherada. Tem até música romântica, consagrada por Nelson Gonçalves: ... a camisola do dia, tão transparente e macia ... Pois pois. Lá, na terra dos nossos patrícios, camisola simboliza o que, entre nós, chamamos de camisa, de forma que o amor a camisa, a força da camisa, termos que, na linguagem futebolística, são tão frequentes, lá, se usados forem, oferecerão uma conotação diferente, ou seja, amor a camisola, a força da camisola, e, aí, a gente sai do futebol para a ... Bem, fiquemos calados.
Todo cuidado, pois, é pouco, em Portugal e Brasil, ante o significado diferente de algumas palavras, apesar de se cuidar da mesma língua, das mesmas regras gramaticais e dos mesmos dicionários.
Mas, nada disso se compara a peripécia de Antonino Rufflo, italiano, que, ordenado sacerdote, foi passar uma temporada em Itabaiana, no meio da década de sessenta do século passado, como coadjuvante do padre Artur Moura Pereira. Enrolando a última folha de Lácio com o seu italiano, não se fazia compreendido da multidão de fiéis em seus sermões, o que fazia se esforçar, mergulhando, de corpo e alma, nas gramáticas e nos dicionários, para falar a língua portuguesa, de modo a se fazer entendido.
Um dia, terminou escalado para passar a manhã, entre missas e batizados, na Igreja de Santa Terezinha, de Moita Bonita, ainda de fraldas em termos de município recém criado, a manter fiel a forte feição de pequena comunidade rural. O Padre Antonino se debruçou sobre os livros, na busca dos termos corretos,treinou a pronúncia, e lá se foi, enfrentando a poeira da estrada. Igreja cheia, fiéis ocupando os bancos e os demais espaços do templo, o padre Antonino, enfim, começou o sermão, dirigindo-se a todos:
- Tabaréus e tabaroas!
Não sei o que cada pessoa pensou daquele sacerdote oriundo da vizinha paróquia de Itabaiana, que parecia falar trincando os dentes. O que os registros históricos conservam é que, aos poucos, a Igreja foi se esvaziando, se esvaziando, porque os tabaréus e as tabaroas retiram-se em surdina, num mudo sinal de protesto. Serem chamados, na igreja, no sermão, por um padre, de tabaréus e tabaroas, era algo que assumiu proporções ofensivas. E cá para nós: ainda hoje, se algum sacerdote menos avisado ousar repetir.
* vladimirsc@trf5.jus.br
Publicado no Diario de Pernambuco