Marcelo Barros(*)
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(irmarcelobarros@uol.com.br)
Neste próximo domingo, as comunidades cristãs serão chamadas a viver dois eventos que, aparentemente, nada têm em comum, mas, o calendário os uniu no mesmo 31 de outubro. O primeiro evento é o segundo turno das eleições para presidente da República. O segundo acontecimento é que este dia do segundo turno eleitoral coincide com o “dia da reforma”, aniversário do início do movimento evangélico. Segundo a tradição, no dia 31 de outubro de 1517 Martinho Lutero pregou na porta da catedral de Wintenberg (Alemanha) as 95 teses sobre a necessidade de uma profunda reforma na Igreja cristã.
De fato, somente cinco séculos depois, no Concílio Vaticano II (de 1962 a 1965) e, mais tarde, em uma declaração comum com a Federação Luterana Mundial (1999), a hierarquia católico-romana reconheceu o acerto das principais afirmações de Lutero: a primazia da Bíblia como fonte da fé cristã, a salvação pela graça de Deus através do dom da fé e o sacerdócio real de todas as pessoas batizadas. Apesar dessas afirmações feitas em comum, as Igrejas continuam divididas. Até hoje, cada grupo cristão ainda é tentado a pensar a sua missão apenas em função de si mesmo. O aniversário da reforma começa a chamar a atenção não somente de cristãos evangélicos, mas também de católicos. Em algumas cidades do país, o dia 31 de outubro começa até a ser feriado municipal.
Neste ano, a coincidência do segundo turno destas eleições no dia do aniversário da reforma protestante pode nos ajudar a perceber que estes dois acontecimentos são como uma só estação na mesma estrada.
No século XVI, Lutero, Calvino e outros reformadores propuseram à Igreja uma reforma que a ajudasse a voltar ao espírito do evangelho.: uma Igreja mais simples, mais comunitária e aberta à participação ativa dos leigos e disposta a se renovar espiritualmente para ser como o ensaio de uma humanidade renovada. Lutero dizia que esta reforma da Igreja deve ser permanente e contínua. Hoje, quase cinco séculos depois, homens e mulheres que pertencem às várias Igrejas cristãs sentem a urgência de uma nova reforma da Igreja e do mundo, como também cada pessoa é chamada a se converter e se renovar interiormente.
Ao dar o seu voto neste segundo turno das eleições presidenciais, a maioria do povo brasileiro também está dizendo que quer uma mudança social e política para o país. Não uma volta ao passado do qual já nos libertamos, mas um passo adiante no caminho de uma sociedade mais justa e participativa. Esta mudança não depende só e principalmente do governo, por mais importante que este seja. É necessário desenvolvermos um modelo democrático que não consista só em votarmos em nossos representantes cada quatro anos, mas possibilite que todo o povo participe verdadeiramente dos destinos do país. Para presidente da República, é preciso escolhermos a pessoa que for mais aberta e disponível para não somente aceitar, mas incentivar esta participação da sociedade civil no processo do país.
Para os cristãos, a fé não é apenas um sentimento individual. Ela deve nos levar a uma postura social e política que se expressa em uma atitude de cidadania. Não existe verdadeira vida de fé se não se busca criar uma sociedade mais justa e igualitária. Por isso, as pessoas cristãs devem não somente votar de acordo com a sua consciência, mas a partir do interesse dos mais empobrecidos e para que o regime social e político favoreça a realização do projeto divino no mundo e no país. Não se trata de servir apenas a interesses eclesiásticos, mas de construir um mundo renovado de fraternidade entre as pessoas e de comunhão com a natureza.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.