Vladimir Souza Carvalho *
Sinto falta, no Calçadão da 13 de Julho, das bandeiras, de diversas cores, tremulando, de acordo com os bafejos do vento, para lá e para cá, na divulgação do nome de candidatos. É como se a imensidão de tecidos coloridos, exibidores de um nome e de respectivo número, desse um pouco de sal ao Calçadão. Observe-se: havia bandeiras de candidatos rivais, coexistindo, pacificamente, no mesmo espaço.
Talvez me situe no meio de uma minúscula minoria, que aprova a inclusão das bandeiras na paisagem do Calçadão da 13 de Julho.
Abstraio, evidentemente, a figura do homem e da mulher, que, por uma gratificação qualquer, se vê compelido a ficar ali, no sol, na maioria das vezes, na sombra, quando possível, a empunhar a bandeira do candidato que, para aquele mister, o contrata. É a legião de pessoas sem ocupação, presume-se, que, neste período, ganha um trabalho, ainda que temporário, dispensando a burocracia da carteira assinada, pessoas que desciam e coletivos, as dezenas, juntos, como se fossem alunos disciplinados de uma escola, para tomar posição em determinada área, na qual nenhum outro candidato, naquele exato dia, pode mais ocupar.
Gosto também das músicas, seja qual for o estilo, no endeusamento do candidato e de suas virtudes. Levando a sério o texto de cada uma, todos os problemas brasileiros serão, de logo, resolvidos, porque todo candidato exibe suas qualidades e, portando tais virtudes, naturalmente que concretizarão, no Executivo e no Legislativo, os mais difíceis e cruciais problemas do nosso Estado. Deixo de lado esse aspecto político, para me concentrar na música e na sua letra. Mesmo não sendo especialista na matéria, dou nota dez a todas as músicas que ouvi, lastimando não ter, ainda, sido criada uma comissão para premiar, depois da eleição, as três mais bonitas, num concurso suprapartidário, na distribuição de prêmio ao cantor, ao autor da letra e da música, e, ainda, ao candidato, com direito a trinta segundos de notícia nos jornais dos canais de televisão. Fica a sugestão a quem aproveita possa, para ser estudada e transformada em norma.
Não vejo, contudo, nenhuma novidade nesse colorido físico e oral que domina as eleições, cada vez mais, com propagandas, por sua vez, cada vez mais bem boladas. No aspecto, volto os olhos para trás, lá para os anos longínquos da infância [que não poderia ser em outro lugar, senão na Itabaiana], a fim de pincelar a figura de Euclides Paes Mendonça e no barulho que fazia, pelo menos, no que se relaciona a última eleição em que pode disputar, isto é, a de 1962, onde as minhas lembranças pincelam, ainda, muitas cenas.
Numa época em que não existia o adesivo com o retrato do candidato, para enfeitar (quase que dizia sujar) o veículo, Euclides mandava pintar seu retrato na frente de uma kombi. Foi, no meu mundo, um pioneiro. Depois, sua propaganda também se fazia com músicas, a lhe coroar de virtudes. Lamento não me lembrar de nenhuma, em especial. Enfim, apesar de ter o cartório eleitoral a sua disposição, juiz eleitoral a lhe obedecer as ordens, policia sob seu comando direto, governo estadual de seu lado, contando ainda com um considerável eleitorado fantasma, sem esquecer de eleitores detentores de vários títulos, Euclides, ainda assim, fazia barulho em propaganda, quer com um serviço de auto-falante instalado em uma kombi, quer com o serviço de auto-falante da sede da UDN, voltada para a Rua do Cisco. Ou seja, o barulho de sua campanha deveria empolgar os eleitores e conferir algo diferente para quebrar a monotonia da cidade.
Talvez por ter sentido, na eleição de 1962, o calor que Euclides impregnava a propaganda eleitoral, é que, toda vez que via os adesivos enfeitando os veículos e ouvia as músicas de cada candidato, nas propagandas que anteciparam a última eleição, me saia dos escombros da memória a figura de Euclides Paes Mendonça, no pioneirismo de muita propaganda, que, se à época, me incomodava, como filho de pessedistas [explico], hoje, quase meio século depois, me faz ver que, em alguns casos, a propaganda ganhou, apenas, o modernismo de um aperfeiçoamento, porque, de forma rústica, Euclides já sabia fazer um bom barulho para animar o eleitorado de Itabaiana.
É verdade que a propaganda política atravessou outras mudanças. E, entre elas, me antecipo a revelar/comentar: os candidatos aprenderam a rir. Não vi uma só propaganda em que o candidato não se mostrasse risonho, boca aberta, dedos aparecendo, retrato todo retocado para a cara ficar apresentável, tanto aqui, como em Recife. Nos tempos de Euclides, o político não ria. Os retratos utilizados eram quase de carteira, a exibir a cara sisuda de todos. Não me lembro de nenhum candidato rindo, em nenhum dos poucos partidos da época. Euclides, Manoel Teles, Leandro Maciel, Seixas Dorea, Leite Neto, nenhum deles ria. Todos os candidatos se apresentavam impecavelmente solenes, como se estivessem ouvindo o Hino Nacional ou em pleno velório.
Hoje, o riso é a unanimidade. E a gente fica a indagar, afinal, qual o motivo de tanta alegria.
*vladimirsc@trf5.jus.br
Publicado no Correio de Sergipe