Padre Beto
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Um camponês possuía um pequeno sítio, seu filho para ajudá-lo no trabalho e somente um cavalo. Em um certo dia, seu cavalo desapareceu de suas terras. Todos os vizinhos lamentaram o grande azar do sitiante. Porém, o homem não se deixava abater e questionava os amigos: "Como vocês sabem que isso é um grande azar?" Dias se passaram e em uma certa manhã o cavalo voltou trazendo para o sítio dez cavalos selvagens. Os vizinhos vieram ver os cavalos e todos afirmavam ao camponês que ele estava nas graças de Deus. O camponês, porém, não deixava de questionar: "Como vocês sabem que estes cavalos são presentes de Deus?" Uma semana depois, seu filho ao tentar domar um dos cavalos ficou gravemente ferido sendo obrigado a permanecer em repouso por um bom tempo não podemos ajudar seu pai no trabalho. Os vizinhos lastimaram o acontecido e diziam que aquilo era castigo de Deus, pois o sitiante não fora um homem agradecido. Sem nenhum arrependimento, o camponês continuava a indagar seus vizinhos: "Mas, como vocês podem afirmar que Deus está me castigando?" Nas semanas seguintes, o país entrou em guerra e soldados chegaram à região convocando jovens para os campos de batalha. Como o filho do camponês estava em estado de recuperação não precisou deixar a região como os filhos de seus vizinhos.
Principalmente em seu livro "Assim Falou Zaratustra", Nietzsche anuncia o surgimento de um novo ser humano, o por ele chamado de "Übermensch". Esta expressão alemã foi, infelizmente por um bom tempo, traduzida para o português como "super-homem", dando a impressão aos menos informados sobre a filosofia nietzscheana que o filósofo pregava o surgimento de um super-herói no sentido contemporâneo da palavra. Nós nos aproximamos do significado original da expressão se a traduzirmos como o "além-do-homem". Para Nietzsche, o "além-do-homem" não se constitui em alguém que potencializou suas capacidades, mas sim em um ser humano que superou a forma de ser assumida até agora pela humanidade ocidental. O "além-do-homem" é a proposta de nos libertarmos da mentalidade construída e vivenciada pelos seres humanos durante os séculos passados até hoje. Para Nietzsche, o homem ocidental possui em sua consciência duas características básicas: a idéia linear do tempo e a dependência de um ser superior. Alcançar uma consciência livre destas limitações é o objetivo do "além-do-homem", do novo estágio para a humanidade anunciado pelo filósofo. O tempo é construção humana, e esta concepção foi concebida até agora pelo homem de uma forma linear. No fim de sua contagem, porém, o ser humano se depara com uma triste realidade: a morte. Para eliminar este problema, o ser humano deposita toda sua expectativa e esperança em uma redenção eterna. Relacionado a este final feliz está o temor diante de um ser superior, do qual podemos receber a salvação. Para alcançá-la o homem procura agradar a Deus fazendo o bem. Desta forma, o ser humano se coloca em completa dependência de Deus, o qual determina seu presente e futuro.
O ser humano torna-se, porém, um "além-do-homem" quando assume radicalmente sua finitude e sua morte, procurando eliminar qualquer dependência em relação à idéia de Deus. Nietzsche nos propõe o que ele chama de razão esclarecida, ou seja, uma absoluta auto-determinação. Este novo ser humano deve assumir-se como o verdadeiro sujeito de sua história, sem utilizar-se de subterfúgios e ilusões. Para o "além-do-homem" não existe nenhum arché (princípio) como origem da vida e nenhuma redenção no final. Este novo ser humano deve viver o tempo de forma cíclica, ou seja, viver o "eterno retorno" assumindo uma única regra: cada gesto deve ser realizado de tal forma que seja digno de ser infinitamente repetido. O que interessa para Nietzsche não é a vida eterna, mas sim a eterna vivacidade. Em outras palavras, nós devemos construir a vida somente pela razão de torna-la uma obra de arte e dar uma marca característica a todas as nossas ações. Cada ser humano constitui-se no próprio sentido da vida. Nesta nova consciência o bem é realizado não para agradar a Deus, e muito menos para atingir uma redenção no final, mas simplesmente porque o bem dá sentido à vida. O "além-do-homem" também não espera que as soluções caiam do céu, mas procura encontrá-las sozinho. Nós somos inteiramente responsáveis pela nossa vida e esta se eterniza no agora. Acredito profundamente que o "além do homem" seja um passo significativo para nos aproximarmos de Deus. "No que diz respeito a todos os atos de iniciativa e criação, há uma verdade elementar - assim que a pessoa se engaja definitivamente, a Providência também entra em ação" (Johann Wolfgang Goethe).