D.Edvaldo G. Amaral (*)
(dedvaldo@salesianosrec.org.br)
Entre os 92 salesianos bispos do mundo inteiro presentes em Turim, na última semana de maio, para estudos e reflexões sobre o tema “Carisma salesiano e ministério episcopal”, sobressaía a figura humilde e bem recolhida, como é próprio da índole chinesa, do Cardeal José Kiun Zen, eleito por João Paulo II na última nomeação de cardeais, antes “in pectore” (isto é, em segredo) e, depois, proclamado publicamente.
Em 1970, o então Padre Zen participou do Capítulo Geral dos Salesianos, quando tive a oportunidade de conhecê-lo de perto, participante que fui daquele mais longo Capítulo Geral de nossa Congregação, com duração de sete meses, da primavera de 1970 ao inverno de 1971.
Em 1966, Pe. Zen foi eleito bispo coadjutor de Hong-Konk e começou a ter notável projeção na Igreja da China, por sua corajosa oposição a medidas anti-democráticas do governo de Pequim, que pretende suprimir a liberdade política e religiosa, com a qual sempre viveu aquela Ilha, quando pertencente ao Império Britânico.
No Ano Santo de 2000, após o episódio da canonização dos mártires chineses, considerada pelo governo como uma ofensa à China, por ter coincidido inadvertidamente com uma data nacional chinesa,. o bispo Dom Zen foi chamado a Roma, para tratar com João Paulo II da situação da Igreja na China, sobretudo em Hong Kong , sob o regime comunista.
Entre 28 e 30 de abril de 2004, o governo de Pequim fez uma “gentileza” a Dom Zen, permitindo-lhe visitar Shangai, sua terra natal, naturalmente sempre acompanhado de perto por funcionários do governo. Esperava, ele com esse gesto de falsa amizade, calar a voz do cardeal, incômoda aos chefes políticos da República Popular da China, sobretudo ao Presidente Hu Jin Tao. Tal não aconteceu. Poucos dias antes, 26 de abril daquele ano, a Assembléia do Povo Chinês (um arremedo de parlamento) havia negado o pedido de sufrágio universal , apresentado por amplos setores da sociedade civil de Hong Konk. Há um ano, número crescente de cidadãos da antiga colônia inglesa exigia poder eleger diretamente o “Chef Executive”, que é o Administrador local, nomeado por Pequim. Também a sociedade civil da Ilha queria poder eleger todos os deputados do Conselho legislativo, que agora são eleitos segundo complicados processos, que visam apenas a subtrair do povo a liberdade de escolha de seus representantes. Tais movimentos populares baseiam-se no dispositivo legal de entrega da antiga colônia britânica à China, com a manutenção, por 50 anos, do regime econômico e social da ex-possessão britânica, coisa que o governo comunista de Pequim não quer admitir de forma alguma.
Todas essas reivindicações de liberdade de seu povo têm encontrado no intrépido bispo Zen o mais amplo apoio. Em 2 de maio daquele mesmo 2004, ele escrevia no jornal diocesano: “Estão nos ignorando, insultando-nos e privando-nos de nossos direitos”. A 4 de junho daquele ano, na comemoração do massacre da praça Tiananmem, a cerca de 800 católicos, reunidos em oração, denunciou o bispo: “Nós também tivemos o nosso 4 de junho, sem derramamento de sangue. Pediram-nos para sermos tolerantes para salvaguardar a harmonia e a paz. Mas, se renunciamos ao nosso direito de falar enquanto ainda podemos, então merecemos mesmo ser escravos!”
Em carta enviada a 22 de novembro de 2004 aos responsáveis pelas escolas católicas, Dom Zen determinou “ignorar” a nova lei de Pequim, que pretendia exercer controle total sobre a educação, marginalizando a ação da Igreja católica. Naquele ano, o Governo determinara criar, até este ano de 2010, um organismo de controle total em cada escola, com um tal comitê de administração, que vem a ser um representante do Governo em cada estabelecimento de ensino. Esclareceu o bispo que não é seu propósito afrontar o Governo, mas sim salvaguardar a liberdade educativa e a tradição católica na educação. Ele adverte que a lei aprovada no Parlamento desmonta o sistema educativa de Hong Kong, que se demonstrou tão eficaz no passado e destrói a colaboração e a relação de confiança entre os responsáveis escolares (“sponsoring bodies”) e o Governo. “Com a nova lei, diz Dom Zen, já não teremos mais a garantia de trabalhar na escola, segundo a nossa visão e nossa missão. Todas as escolas passarão à direta supervisão do Governo”, adverte ele.
Em maio passado, em Turim, o Cardeal Zen tratou do tema “Uma melhor comunicação entre os salesianos bispos e a Congregação”, expondo com vigor e clareza a situação da educação católica em Hong Kong. Foi das mais lúcidas e profundas apresentações daquele simpósio internacional sobre o salesiano bispo no carisma de Dom Bosco..
(*) É arcebispo emérito de Maceió.