Marcelo Barros(*)
http://marcelobarros.zip.net/
(irmarcelobarros@uol.com.br)
No mundo inteiro, a próxima semana será marcada pelo 21 de setembro que a ONU consagra como “dia internacional de promoção da cultura de paz”. No hemisfério sul, este dia marca o início da primavera e a ONU propõe que desponte uma nova primavera de paz e justiça para o planeta e para todos os povos da terra.
Filmes e noticiários de televisão nos habituam de tal modo com notícias de guerra que chegamos a não nos espantar mais quando “vemos” o governo de Israel invadir um navio de ajuda humanitária aos palestinos e assassinar nove civis. Muita gente estranhou o tom com o qual, há mais de um mês, Hugo Chávez, presidente da Venezuela, denunciou a invasão de paramilitares colombianos no território do seu país para incentivar a violência e desestabilizar o país. De fato, agências e organismos internacionais confirmaram com números e dados concretos esta interferência de militares colombianos nas regiões fronteiriças da Venezuela (Cf. Le Monde Diplomatique, Brasil, agosto 2010, p. 10- 11). Na mesma época, a grande imprensa nacional, cada dia mais presa aos interesses do Império dos Estados Unidos, criticava o excelente trabalho do governo brasileiro para mediar a crise entre Estados Unidos e o Irã. Além de se constituir como mediador internacional, digno de crédito, o governo brasileiro se esforçou para impedir novas sanções econômicas sobre o povo já sofrido daquele país. Além disso, a imprensa não contou que, por trás da pretensa preocupação com o desarmamento do mundo, está o interesse do governo dos Estados Unidos de continuar com o monopólio do comércio de urânio enriquecido, elemento importante para pesquisas médicas, de engenharia e de produção de energia elétrica limpa. Ora, o Brasil detém a sétima reserva de urânio no mundo. O governo brasileiro tem o direito de fazer tudo para quebrar o monopólio norte-americano deste comércio milionário. O risco de armamento atômico só é possível quando o urânio é enriquecido a 90%, taxa muito distante das atuais (3, 5) usadas para fins pacíficos e científicos.
Existe mesmo o risco de uma guerra internacional, mas não vem do Irã. O único país no mundo que até aqui destruiu duas cidades de outro país com duas bombas atômicas não foi o Irã. A guerra é como os incêndios que começam com uma faísca no capim seco ou um toco de cigarro jogado em local inadequado. Quando se deixa que o fogo domine, não se tem mais controle. É difícil evitar a tragédia. Assim como no organismo humano, a febre é sintoma de uma infecção, também, a guerra é expressão de uma cultura de violência e de confiança no poder das armas.
A ONU compreende que somente uma cultura de paz pode verdadeiramente vencer a violência. Neste ponto, todas as religiões e tradições espirituais têm uma função essencial. Uma nova formação espiritual da humanidade supõe que, em qualquer tradição espiritual, ou mesmo sem nenhuma pertença religiosa, as pessoas procurem desenvolver a consciência da responsabilidade por todos os seres vivos. Fazemos parte de uma única família que partilha a mesma terra e bebe do mesmo poço. Para isso, crentes das mais diversas religiões devem rever a própria imagem de Deus, como autor e principio da paz. Se cremos em um deus intransigente e severo que pede sacrifícios e divide os seres humanos em crentes e descrentes, fiéis e infiéis, o resultado disso será sempre uma cultura de intransigência e intolerância. Este tipo de deus supõe organizações religiosas baseadas no dogmatismo e no autoritarismo de suas hierarquias. Neste caso, esses grupos podem até falar de paz, mas, na prática, plantam sementes de divisão entre as pessoas. O bispo italiano Tonino Bello dedicou toda a sua vida ao trabalho pela paz. Ele afirmou: “A paz não acontece apenas acabando com todos os conflitos, pois esses são uma realidade da vida. A paz supõe o aprendizado da convivência na diferença e da educação, como caminho de amor e abertura aos outros”.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.