Padre Beto
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Há muito tempo atrás, um príncipe chinês estava às vésperas de ser coroado imperador, mas, de acordo com a lei, ele deveria antes se casar. O príncipe, então, resolveu fazer uma disputa entre as moças da corte. Em um grande baile, realizado para todas as pretendentes, o jovem rapaz lançou o desafio: "Darei a cada uma de vocês uma semente. Aquela que, dentro de seis meses, me trouxer a mais bela flor, será escolhida minha esposa e também futura imperatriz da China!" A proposta do príncipe não fugiu às profundas tradições daquele povo que valorizava muito a especialidade de "cultivar" algo, sejam costumes, amizades, relacionamentos, etc. Entre as pretendentes estava a filha de uma velha empregada do castelo imperial, uma jovem realmente apaixonada pelo príncipe. A moça recebeu, como todas as outras, sua semente e a plantou em um vaso. Com muita paciência e ternura esperava a semente brotar na expectativa que surgisse uma flor tão bela quanto a admiração que possuía pelo príncipe. Passaram-se três meses e o vaso continuava vazio. A jovem tudo tentara usando todos os métodos que conhecia, mas nada havia nascido. Dia após dia ela via cada vez mais longe o seu sonho. Por fim, os seis meses haviam passado e nada havia brotado. Consciente de seu esforço e dedicação, a jovem comunicou à mãe que, independentemente das circunstâncias, retornaria ao palácio para o baile, no qual as flores deveriam ser apresentadas ao príncipe. Na grande festa, lá estava ela, com seu vaso vazio, bem como todas as outras pretendentes, cada qual, porém, com uma flor mais bela que a outra, das mais variadas formas e cores. A pobre jovem estava admirada, nunca havia presenciado tão bela cena. O príncipe analisou todos os vasos com muito cuidado e no final do baile anunciou o resultado, indicando a bela jovem com o vaso vazio como sua esposa. Ninguém compreendeu porque ele havia escolhido justamente aquela que nada havia cultivado. Então, calmamente, o príncipe esclareceu: "Esta foi a única que cultivou a flor que a tornou digna de se tornar uma imperatriz: a flor da honestidade, pois todas as sementes que entreguei eram estéreis!"
Paul Wolfowitz, assessor ideológico do presidente americano Bush, afirmou certa vez que os povos não precisam de cultura, mas sim de consumo. O pensamento de Wolfowitz representa uma tendência ética marcante em nossa mentalidade contemporânea: uma ética utilitarista que possui como alvo principal o resultado. Os meios são importantes pela eficiência técnica e isso significa a possibilidade de alcançarmos objetivos determinados. Acompanhando esta ética dos resultados e, como conseqüência de uma sociedade voltada para a economia de mercado, podemos perceber uma nítida supervalorização da imagem. Se adaptássemos a história acima para os nossos dias, talvez o príncipe até percebesse a honestidade da pobre jovem, mas a criatividade e a perspicácia das outras damas seriam, com certeza, as características valorizadas. Afinal, foram as outras damas que, apesar das sementes estéreis, apresentaram flores, ou seja, verdadeiros resultados, e souberam criar uma imagem de conhecedoras da arte da jardinagem. Marshall Mcluhan, o qual se autodenominava "filósofo da comunicação" e teve grande popularidade na década de 60, desenvolveu estudos sobre os meios de comunicação no mínimo intrigantes, ao se preocupar não com o conteúdo das mensagens, mas com o meio através do qual elas são transmitidas. "O meio é a mensagem", escreveu Mcluhan. Suas observações partem de uma idéia não muito inovadora: "somos o que percebemos" e nossa percepção muda e varia conforme mudam e variam os nossos modos de usar os sentidos. Para Mcluhan, o conteúdo de uma mensagem não tem grande importância. O meio, sim, este possui condições de transformar a realidade com muito mais eficácia que a soma das mensagens incluídas nesse meio. Sem dúvida alguma é inegável que as mesmas palavras ditas num frente-a-frente, impressas em papel ou apresentadas na televisão fornecem três mensagens diferentes. O canal de comunicação oral, escrito ou eletrônico molda, com certeza, o modo como entendemos o mundo. Torna-se extremamente problemático, porém, quando o meio se sobressai ao conteúdo, à mercadoria e aos valores importantes para a vida. Quando a embalagem supera o presente, a estratégia de marketing define o produto e a aparência torna-se realização pessoal estamos realmente vivendo no consumo e nos esvaziando de cultura. Esta última, porém, é a única alternativa para a construção de um espaço social no qual o desenvolvimento da vida seja realmente possível. "Se o desonesto soubesse a vantagem de ser honesto, ele seria honesto ao menos por desonestidade" (Sócrates).