Rômulo José
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No Renascimento se dará uma nova roupagem ao conceito da expressão lírica até então estudada. Com o advento da imprensa aquela poesia oriunda da “polis”, composta para ser cantada ou acompanhada por música, passa agora para o papel para ser lida, sem acompanhamento musical. A Poética de Aristóteles ganha uma nova leitura tornando-se base para a construção de uma teoria poética, a teoria neoclássica. Desta vez a mimésis aristotélica é vista como a imitação das ações humanas. Os fenômenos artísticos passam a ter uma compreensão mais rígida, pois se acreditou que Aristóteles tivesse uma visão estética clássica bastante normativa e preceptiva. É justamente essa leitura da Poética aristotélica a responsável por nortear as leis e regras do sistema critico neoclássico. O que pendurou até a fase romântica.
Na lírica romântica o artista no seio de uma sociedade em que a tecnologia, a indústria e a ciência estão emergindo, vê-se inutilizado. O cenário agora é favorável ao utilitarismo que fascina o homem. Nisso o poeta, que até pouco tempo tinha certa áurea divina, busca manter vivo esse mito literário de sua própria figura. Para tanto, foge para dentro de si mesmo percorrendo o caminho da evasão romântica como forma de proteção. Mergulhado em um subjetivismo emocional, o poeta correu o risco de apenas transferir para o papel essa emotividade unicamente pessoal definida apenas pelo uso da função emotiva da linguagem de forma “seca”. Mas o poeta romântico não se deixou cair nessa crise de valores. Usufruiu das novidades da modernidade inserindo o contexto social nas composições como forma de resgate da linguagem criativa.
Mas o que marca mesmo para a poesia lírica nesse momento, é a “concepção da poesia como linguagem de sons, tons e metro: que embora moderna, acaba sendo uma recuperação da unidade original de poesia e música”. Muitos teóricos contribuíram para essa idéia. Segundo Novalis a poesia lírica seria uma expressão do poético; Goethe discutiu o enquadramento da poesia na teoria dos gêneros e não aprovava que fossem misturados. Ao contrário de Brunetière em que sua visão literária lembra muito a questão clássica dos gêneros. Já Benedeto Croce, colocava em primeiro plano a individualidade artística de cada obra em oposição aos modelos classificáveis de maneira geral.
Sofrendo o julgamento critico das diversas épocas, a poesia lírica chega enfim ao mundo moderno. E a sua chegada lembra em muito a sua origem la do mundo grego. A cidade moderna é o palco da vez. Agora o homem se relaciona com o mundo objetivo pela relatividade do mergulho na subjetividade. Essa relação é bem diferente do poeta romântico que acredita na poesia como expressão do “eu”. O poeta moderno sabe que qualquer recorte da realidade nada mais é que apenas linguagem. Isso quer dizer que, faz-se apenas uma “tradução parcial” da realidade.
O poeta moderno tendo os olhos agora voltados para a grande cidade assume novo papel: o de recortar cenas de seu cotidiano; daquilo que se apresenta diante de seus olhos. Usa de uma linguagem fragmentada para dialogar com a tradição. Ele caminha em direção as possibilidades internas da linguagem, abanando regras e modelos.
Uma nova discussão que se assenta, além do novo papel do poeta, é a conceituação que se dá ao sujeito lírico. Este não mais se define apenas como o autor que compõe a obra. O sujeito lírico se manifesta na própria obra por meio da melodia, do canto, da sintaxe, do ritmo. “Esse é o elemento que une todas as escolhas da linguagem de que é feito um texto.”
Tendo a poesia lírica nascida na “polis” e percorrido toda essa odisséia de conceituações, caberia na modernidade a pergunta: afinal, o que é poesia lírica? Responder pela ótica da teoria dos gêneros implicaria numa resposta tendo em vista a estrutura formal em si. Mas Emil Staiger propõe que deva existir uma relação na composição de qualquer texto: sua construção e seu sentido. Assim a poesia lírica pode ser vista de duas maneiras: a) usado como substantivo: estaria enquadrada na teoria clássica dos gêneros sendo uma poesia de não muito longa, sem personagens claramente delineados, onde ritmo e melodia servem para expressar a alma de um “eu”. b) como adjetivos, “significa uma qualidade que decorre de traços estilísticos que podem ou não estar presente em um texto”. Isso para dizer que a relação gira entre o “texto como construção de linguagem mais a situação de leitura que suscita.”
E os gêneros literários como ficam?
Desde cedo se percebeu que os modelos classificatórios das produções literárias não levavam em conta a originalidade de cada produção. A produção literária moderna com suas muitas pesquisas está a todo tempo desfazendo esses conceitos clássicos homogêneos de esquemas de classificação geral. Neste sentido, o conceito de “gêneros literários” ganhou uma flexibilidade antes não permitida. O estudioso literário moderno passou a analisar cada texto como uma unidade particular de linguagem. Assim pôde-se até dizer que, tanto a lírica como os demais gêneros, já não podiam mais ser compreendidos sob uma ótica normativa inflexível, pois o papel do leitor como aquele que dá sentido ao texto passou a ser considerado.