quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O MONSTRO DO LAGO PARANOÁ



Paulo Rebêlo
www.rebelo.org


Voltar a nadar foi uma das decisões mais acertadas que tive nos últimos tempos, se não fosse pelas crianças. Dos outros.

Por não ter horário fixo e chegar em qualquer horário, imaginei que poderia dar minhas braçadas em paz, sem distrações e sem concorrer com ninguém. A mocinha da secretaria tentou me alertar sobre elas, mas foi em vão.

No primeiro dia da coincidência de horários, fui fazer meu alongamento normalmente, mas agora estava diante de todo aquele barulho infernal típico de quando várias crianças estão na piscina brincando.

Fiquei com vontade de jogar ácido muriático na água, mas depois pensei melhor e deu até pena. Não das crianças, mas dos pais.

Naquele estabelecimento, aparentemente só tocam dois CDs: um da Ivete Sangalo (Ao Vivo em Salvador) e outro de uma compilação bate-estaca dos "Baladeiros de Goiânia". Está escrito na capa do CD, tive que ir lá conferir para ter certeza que não estava delirando.

Fui cobrar um desconto na mensalidade (por insalubridade e sanidade mental) e as professorinhas de maiô entrando na bunda me acharam um tiozinho muito engraçadinho, como se tivesse contado uma piada.

Se eu soltasse uma piadinha de verdade sobre o maiô, iam me achar um depravado. Calei-me.

Além da linda sinfonia musical, o barulho das crianças na água tira a concentração de qualquer um, mas em fração de segundos todos se silenciaram.

Findo o alongamento, tirei minha camisa e estava pronto para andar até minha raia quando percebi que todos aqueles capetinhas haviam se calado e olhavam espantados em minha direção.

O silêncio era semi-sepulcral. Por um minuto achei que o problema fosse comigo e tivesse ficado surdo. Com a benção de Ivete.

Até que uma guria que não devia ter nem 40cm de altura aponta o dedo em minha direção e pergunta: moço, por que sua barriga é tão branca e peluda? Você nunca levou sol?

Mas como assim, capetinha? Será que todas as crianças de hoje têm pais atores de Hollywood ou da Globo, que raspam até sobrancelha?

Claro que existem barrigas peludas, brancas e grandes. Algumas mais brancas e peludas do que outras, é claro, a natureza é bela e sábia.

Eu poderia dizer que era um primo distante do Fofão ou do Alf (o E.T.eimoso), mas certamente ninguém iria lembrar, nem mesmo o professor metrossexual daqueles guris.

O silêncio continuou (com exceção de Ivete) e agora eu estava com vergonha de pular na piscina. Porque eu sabia exatamente o que se passava na cabeça delas: toda a água da piscina ia sair pelas bordas quando eu pulasse.

Eu sabia porque seria exatamente a mesma coisa que eu pensaria no lugar deles, caso fosse eu diante de um monstro peludo sem camisa e com um calção de futebol do Sport Recife tão surrado que as listras vermelhas agora são quase brancas.

De repente, era o monstro do Lago Ness que estava nadando entre aquelas criaturas. Nem o professor metrossexual para colocar ordem no ambiente, coitado, desconfio que também não deve fazer a menor idéia de quem seja Bozo, Fofão ou Alf.

O barulho da criançada vai voltando ao normal, o monstro do Lago Ness continua a dar umas braçadas tímidas e ouvindo risadinhas daqueles anormais que parecem nunca ter visto na vida uma suave saliência protuberante fronto-abdominal.

Meia hora depois, chega um gurizinho já pronto para ir embora e pergunta se vou continuar voltando naquele mesmo horário.

Penso em responder que sim, desde que todos eles não voltem nunca mais, mas antes de elaborar uma complexa resposta para o garoto de cinco anos, escuto um grito mais da frente. É outro guri a gritar: "quando eu crescer eu quero ter uma barriga peluda igual a dele!! "

Que fofinho, você pensou? Fofinho é o cão, sorte (a dele) eu ser da paz. Mas não é fácil, meu garoto.

Passados alguns meses deste inquietante encontro com os capetinhas das águas candangas, confesso que até devo muito a eles.

Por conta daquelas crianças, achei prudente adiar um pouco meu plano original de treinar por três meses para atravessar o Lago Paranoá a nado.

Na minha primeira tentativa de cruzar o lago, a Marinha Brasileira ia me laçar numa rede de pesca e chamar o Globo Repórter dizendo que pegou a primeira baleia branca no lago artificial de Brasília.

E peluda.


Obs: Imagem do autor.