segunda-feira, 27 de setembro de 2010

CONCEIÇÃO DO MONTE EM CACHOEIRA



SALVAR UM PATRIMÔNIO
Sebastião Heber
shvc50@gmail.com


Por trás da origem de muitas igrejas, há, muitas vezes, um relato mítico que ultrapassa o controle da história e, em alguns casos, se confunde com a estória. A igreja da Conceição do Monte em Cachoeira preenche esse recorte. Sua origem está associada ao sonho de uma freira chamada Belarmina. Ela era de origem rica e pediu ao pai, abastado senhor de engenho, que construísse uma igreja na Vila de Cachoeira no alto de um monte. Esse pedido se prendia ao fato da Virgem Maria ter aparecido àquela religiosa apresentando aquela mensagem. O pai negou-lhe o pedido, e conforme a tradição, ela, frustrada, deixou o convento para se engajar nessa obra. O que veio a ser realizado. Em meados do século XVIII a obra começou a ser erguida e em torno de 1780 a igreja foi aberta ao culto dos fiéis. Foi o administrador dessa obra Manoel Freire de Andrade, considerado seu beneficiador, pelas muitas esmolas e serviços prestados por ele para a conclusão das obras que ela precisava. Parece que por morte desse benfeitor, a obra foi continuada por Antonio João Bellas que continuou a prestar serviços à conclusão do templo. Esse templo obedece aos padrões arquitetônicos da época : nave central, corredores laterais, sacristia.

De acordo com a Ficha Catalográfica de Monumentos, constatam-se as datas : 1745 – Fica pronta a casa de oração que alguns devotos levantaram no Monte consagrado à Senhora da Conceição; 1780 – É criada a Irmandade da Conceição do Monte; 1784 – O Capitão José Gonçalves Fiúza, Sargento-Mor da Vila de Cachoeira e proprietário do Engenho S. Domingos do Ponto das Garças, manda edificar a atual igreja no mesmo sítio da casa de oração; 1796 – Sob a administração de Manoel Freire de Almeida foram iniciadas obras para ”aformosear “ o templo;1846 – Só nesse ano é foi concluída a torre, graças ao zelo dos mesários da irmandade, sobretudo do devoto Antonio João Bellas; 1853 – É reformado pela última vêz o Compromisso da Irmandade; 1981- no dia 20 de março foram roubadas todas as imagens, mas posteriormente foram recuperadas.


Essa igreja é considerada um dos inestimáveis patrimônios da histórica cidade de Cachoeira. Atualmente está sendo recuperada pelo Programa Monumenta – BID - . um investimento do governo federal com o valor total de R$ 753.389,03. A obra foi iniciada em 05/06/2007 e o seu término está previsto para maio de 2008. Nesses poucos meses de trabalho de restauração já foram descobertas várias características antigas do monumento que remontam à sua construção, tais como a sua cercadura de portas e janelas externas que são de pedra e estavam revestidas de tinta, bem como as portas e janelas internas que estavam tapadas e foram reabertas.Mas essa restauração trouxe surpresas – daí a explicação do título desse artigo.Quando as paredes da nave começaram a ser restauradas, descobriu-se pinturas de grande valor artístico, são figuras de anjos em policromia – e outra descoberta maior surpreendeu os restauradores : há por trás dessas pinturas uma outra ainda mais antiga semelhante a um afresco esverdeado.O temor é que, por estas pinturas não estarem no plano orçamentário (sic) elas podem vir a ser recobertas . Segundo o presidente da Irmandade, o professor Isaac Tito, há um grande temor relacionado a essa descoberta. Por isso, ele está empenhado em anunciar essa descoberta, levando os meios de comunicação a fazerem esse registro de parte da história daquela igreja que é um dos belos monumento da cidade.


Quando eu estudava em Roma ficava surpreso com as vezes em que o metrô deixava de funcionar e, tantas outras vezes, com a lentidão das obras . O problema é que nesse trabalho de expansão, a equipe encontrava, normalmente, restos arqueológicos pré-cristãos, como por exemplo, ruínas dos antigos etruscos ou de épocas marcantes para a história. As obras não apenas paravam, assim como o roteiro do metrô tinha que ser mudado, pois aquela descoberta trazia à luz parte da história ainda não registrada de modo sistemático. E é claro que não havia ainda verbas para aquela descoberta que pela própria natureza, não estava planejadas. No nosso caso, um país de 500 anos, quando descobre-se algo de 200 anos, já é quase a metade do tempo da história do país. É nossa memória que está ali registrada, e sem ela vamos perdendo nossa identidade, muitas vezes, já tão fragmentada


A profª Eny Kleyde, em recente livro sobre Interpretação do Patrimônio, Histórias da Praia do Forte Contadas pela Comunidade , lembra, citando René Barbier, a necessidade da “ escuta sensível”, aos apelos da comunidade, que agora nesse caso concreto de Cachoeira, grita para salvar seu patrimônio. Diz ela ainda :

“Na interpretação do patrimônio, a hermenêutica é realizada pela comunidade que atribui significados às manifestações do lugar advindos da memória, onde habitam ideologias sobre a natureza, a cultura e a história” ( p. 118).


Sebastião Heber. Prof. adjunto da UNEB, da Faculdade 2 de Julho e da Cairu. Membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e da Academia Mater Salvatoris