URBANIZAÇÃO, TURISMO e CIDADANIA
- O LUGAR DO POBRE -
Sebastião Heber
shvc50@gmail.com
Nos últimos dias a mídia tem apresentado o problema das barracas de praia da orla de Salvador, situação que tem se arrastado por algum tempo. Finalmente veio a execução. De quem foi a responsabilidade? Como estamos em época política, de eleições, surge o problema natural de empurrar a responsabilidade para outras instâncias que não as que estão envolvidas diretamente no caso.
É inegável a vocação para o turismo que a Bahia tem e, especialmente, Salvador. Muitas vezes ouvimos comparações com as perspectivas turísticas de outras regiões, especialmente no Nordeste, quando parece que há um declínio no interesse por parte do turismo pela Bahia . Mas a verdade, é que esse Estado representa uma imensa área da costa brasileira e, portanto, o turismo é disseminado nele a ponto de parecer pouca ocupação nesse setor.
Esse problema das barracas em Salvador pode ser visto por um ângulo sócio-antropológico e que diz respeito à hipertrofia urbana e o consequente declínio da cidadania. Na verdade, o virtual surgimento das megalópoles revela uma tendência sociológica ao declínio, isto é, a comunidade urbana perdeu sua integridade, seus direitos, como o do trabalho, da luta pelo pão de cada dia, etc. Como se tudo isso não bastasse, nos confins das cidades, a massa de seus habitantes persegue, mais do que propriamente direitos de cidadania, interesses interlocais. O conceito de cidadania, assim, cada vez vez mais se distancia dos aspectos e atributos da comunidade urbana, expressando apenas a vinculação jurídica da pessoa a um determinado Estado: a cidadania seria uma criação do Estado que moldaria os cidadãos a seus próprios interesses, conforme Dalmo Dallari.
E a urbanização, necessária e inevitável, de outro lado provoca irracionalidades como esse das barracas de praia da orla de Salvador e adjacências .”Há opostos que se batem nessa discussão do adeus às barracas de praia”, como diz Therezinha Cardozo, na sua Coluna 7 Dias.
Qualquer planejamento turístico, por mais simples que seja, pede um controle dos espaços de lazer, do comércio, para que o “direito natural”do lugar democrático da praia, de suas areias, seja utilizado por todos dentro do ócio social, do passatempo a que todos têm direito com serviços inerentes à essa área.
Um certo grau é desejável socialmente. Isso no sentido de que é mais barato levar os serviços a pessoas agrupadas, ainda levando-se em conta, a vantagem da convivência. Até um determinado nível, a urbanização vai gerando as chamadas economias de escala, no caso, os menores custos dos serviços. A partir de certo ponto, no entanto, o crescimento passa a gerar também deseconomias da aglomeração, isto é, custos gerados pela excessiva concentração de pessoas e serviços. No caso em questão, são os (ex) proprietários das barracas que estão pagando esses custos. Claro que houve ocupações indevidas, com serviços precários, falta de higiene, aproveitamentos embutidos. Por exemplo, ouvi de pessoas relacionadas a esse controle, que muitas marcas de cerveja tinham lá seus representantes para veicularem seus produtos. Mas de outro lado, não pode deixar de causar espécie ver na tv uma mãe com o filho, se acorrentarem à barraca para não serem despejados, pois sem aquele trabalho, ela não teria mais do que viver.
Pode-se com propriedade falar, atualmente, na tragédia das cidades brasileiras que estão se tornando metrópoles. As periferias estão se tornando cada vez mais inchadas, violentas e pobres. “Se o Brasil crescer 4% a 5% todos os anos, durante uma década, as desigualdades sociais tendem a melhorar em todo o país, mas a piorar consideravelmente nos grandes centros urbanos e, em particular, nas áreas metropolitanas”, diz o sociólogo Pedro Scuro. O surgimento da periferia é decorrente de uma transformação profunda ocorrida no Brasil nas últimas décadas, que é a urbanização.
Sabe-se quanto custa ser pobre – para ele tudo termina sendo o dobro, o quádruplo e até mais... Essa questão não pode ser resolvida apenas pelo uso do direito positivo. De que escalão veio a ordem para destruir, quem vai executar,de quem foi a culpa, etc, etc? Isso aogra, não importa.Que prevaleça o bonsenso e o consenso por parte dos responsáveis em dirimir esse problema. E as ciências sociais, que podem também ser chamadas de ciência da alteridade, querem trazer aqui o seu aporte.
O livro de Nelson Carvalho Marcellino, Lazer e Cultura, traz um artigo de Flávia Faissal de Souza, intitulado “Estrutura Política Excludente, Práticas Culturais Normalizadoras, Políticas de Alívio à Pobreza”, que sugere um modus operandi para tais momentos:”Os dispositivos criados para redimensionar a atuação social dos excluídos, devem também assegurar a permanência e a participação desses sujeitos ( diálogo ) na estruturação desses serviços e em sua gestão, garantindo a qualidade social dos serviços públicos prestados a esses cidadãos”.
Sebastião Heber. Prof. adjunto de antropologia da Uneb, da Faculdade 2 de Julho, da Cairu, membro do Instituto Geogrpafico e Histórico da Bahia e da Academia Mater Salvatoris