terça-feira, 20 de julho de 2010

UM JUSTO QUE AMA A JUSTIÇA



Maria Clara Lucchetti Bingemer
 professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio, decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio


Se me perguntassem qual a melhor palavra para definir este homem que há mais de quinze anos conduz a PUC-Rio até o lugar que hoje ocupa no cenário acadêmico nacional ficaria, em um primeiro momento, indecisa. Seriam tantas palavras que me ocorreriam… Pois convivendo durante essas quase duas décadas com o Pe. Jesus Hortal Sánchez SJ, tive a graça de descobrir diversas facetas de sua rica personalidade. Não é tão fácil determinar qual a que mais se destaca.

O que primeiro salta à vista no contato com este salmantino de pura cepa, amante de sua Espanha natal e de tudo que ela de bom oferece, incluídos os bons vinhos, é sem dúvida a brilhante inteligência. Conversar com o Pe. Hortal é um prazer e um aprendizado contínuos. Dotado de mente clara, percepção aguda e precisa e uma vastíssima cultura, encontra-se à vontade tanto no Direito Canônico e na Teologia, suas especialidades acadêmicas, como também em temas sociais, políticos, econômicos. Entre as línguas que domina estão o grego, o hebraico, o latim, pelas quais transita tão à vontade como se estivesse andando pelo campus da universidade que comandou durante tantos anos.

Jamais o vi titubear diante de uma pergunta e não ter uma resposta precisa e direta. Inclusive ao se tratar de números. Conhecedor das estatísticas e dos índices do país, do estado e da universidade, conversa descontraidamente com matemáticos e engenheiros, esgrimindo precisões ao que lhe é apresentado pelos especialistas.

Se o assunto é literatura, história geral e do Brasil, música clássica ou popular, Pe. Hortal também tem o que dizer e apresentar. Leitor voraz, é apreciador do belo e do erudito e de todas as expressões artísticas e literárias autênticas. Aberto ao novo, o senso estético nele se alia ao senso de humor. É capaz de animar uma reunião com sua verve e erudição, falando a linguagem coloquial assim como a acadêmica. Homem de profunda fé, ama a Igreja. No entanto, poucos como ele crêem no diálogo ecumênico. E com o judaísmo é interlocutor dos mais respeitados e assíduos.

Não por causa da idade de sábio é avesso às novas tecnologias. Pelo contrário, internauta exímio, responde ao correio eletrônico com a rapidez do raio e dá conferências com sofisticados power points preparados pessoalmente.

Tudo isso lhe tem valido o reconhecimento não apenas da Universidade onde atuou como reitor até o último dia 30 de junho, como também o respeito da comunidade acadêmica como um todo, que o elegeu por três vezes personalidade educacional do ano. Figura de educador destacado na sociedade brasileira, acumulou prêmios e reconhecimento de várias instâncias, os quais recebeu com naturalidade e risonha modéstia.

Porém, tudo isso ainda não chega sequer perto da palavra que melhor o define e que só consegui encontrar na Bíblia, por ele tão conhecida e assimilada. O Pe. Jesus Hortal Sanchez é, antes de tudo, um justo. Da mesma estirpe daqueles que a Escritura aponta como exemplos de conduta para o povo eleito. E sua formação de jurista certamente burilou ainda mais essa justiça constitutiva de sua pessoa.

Em todas essas décadas eu o tive como chefe. Como diretor do departamento de teologia, vice-reitor acadêmico e finalmente como reitor. Em suas mãos estava o tomar decisões muitas vezes em situações difíceis ou delicadas. Jamais o vi pensar, agir ou falar movido por paixões ou sob o vento volúvel das emoções desordenadas. Ainda menos sob o impulso de simpatias ou antipatias, gostos ou desgostos.

A retidão firme e sóbria o fazia permanecer equilibrado como o fiel da balança mesmo nos momentos mais cruciais à frente de uma instituição complexa e grande como a universidade. A todos inspirava confiança e permitia sentir a PUC-Rio navegando segura e levantando alto sua bandeira.

Olhando-o hoje, quando deixa o cargo sob aplausos e carregado de homenagens, sinto que a ele se aplica a frase do salmo: A boca do justo fala sabedoria e a sua língua exprime a justiça. E ainda a frase de Jesus ao enxergar Natanael sob a figueira: Eis um homem no qual não há falsidade. E só posso expressar uma profunda gratidão por todos esses anos de convivência e aprendizado. Que seu legado luminoso continue a inspirar-nos hoje e sempre.


Maria Clara Bingemer é autora de "Deus amor: graça que habita em nós”, entre outros livros.
http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/


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