terça-feira, 13 de julho de 2010

NAS POSSIBILIDADES DO NOVO



Padre Beto
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Certa vez, um jovem apresentou-se a um renomado sábio e manifestou o desejo de ser seu discípulo. O sábio interrogou-o sobre o seu procedimento quotidiano e o candidato, com intenção de impressionar o velho, alegou, a seu favor, os seguintes feitos: “Eu sou um verdadeiro asceta. Visto-me sempre de branco, bebo só água; prego cravos no meu calçado para me mortificar. E faço mais ainda: deito-me despido na neve e mando o zelador da sinagoga dar-me todos os dias quarenta chicotadas nas costas”. Nisso um cavalo branco entrou no pátio, bebeu água e estirou-se no chão coberto de neve. “Repara!”, aconselhou o velho sábio, batendo no ombro do jovem. “Aquele animal que ali está é branco, bebe só água, tem cravos nas ferraduras, deita-se na neve e apanha mais de quarenta chicotadas por dia. Entretanto, não passa de um simples cavalo.”

O bem e o mal, segundo Karl Jaspers, podem ser compreendidos em três níveis. No primeiro, o mal é definido como a manifestação de nossa parte “animal”, tendências de nosso interior que são sentidas por nós como destrutivas. Em outras palavras, aproxima-se do mal o ser humano que se deixa levar por seus instintos sem entende-los e lapidá-los. Em contra partida, o ser humano caminha para o bem, quando sabe conciliar seus impulsos naturais com o conteúdo moral de sua época e cultura. Esta conciliação entre natureza e sociedade, não significa simplesmente a resignação da primeira às regras da segunda, mas uma produtiva interação entre as duas. Estes conceitos de bem e mal se encontram no nível da moral: o ser no conflito entre compromisso e inclinação. O controle dos instintos através do desejo racional de relacionar-se com outros seres humanos. “Vença a si mesmo e terás vencido o seu maior adversário” (Provérbio japonês). No segundo nível, o mal significa a falta de transparência, nas palavras de Kant, o distanciamento da autenticidade. Me aproximo do mal, quando realizo atos bons somente porque estes não me prejudicam ou não me custam muito. Na verdade, as boas ações são aqui utilizadas como instrumentos de benefício próprio e não como expressões de uma convicção. Ser uma pessoa boa consiste em uma simples convenção social, na qual procuro me enquadrar, desde que eu não seja obrigado a pagar muito. Ser verdadeiramente bom, por sua vez, significa aqui estar preparado para pagar os custos do fazer o bem pela simples necessidade de sua realização. Eu faço o bem não para alcançar benefícios (simpatia, dinheiro, atenção...), mas porque estou convicto de que o bem deve ser feito. Neste nível, a bondade manifesta-se através do ser autêntico, do ser transparente. “A sinceridade não é dizer tudo o que se pensa, mas crer em tudo o que se diz” (Tito Livio). Esta definição do bem e do mal se encontra no nível da ética: a veracidade do motivo. A pureza de determinação contra a hipocrisia do egoísmo.

Por fim, no terceiro nível, o mal significa o desejo de destruição, a vontade de criar sofrimento, crueldade, aniquilação. O mal se manifesta na tendência niilista para a condenação de tudo que existe e que possui um valor. Em contra partida, o bom expressa-se no desejo de vida, em outras palavras, no amor por tudo que existe e vive. “Admiramos o mundo através do que amamos” (Lamartine). Esta definição do bem e do mal se encontra no nível da metafísica: o motivo do ser. Aqui se manifesta a luta do amor contra o ódio. Amor conduz ao ser, ódio ao não-ser. Amor cresce sempre em relação à transcendência, ódio faz decrescer e conduz ao aniquilamento. O amor influencia para a construção do mundo, o ódio grita pela dissolução do ser e para a catástrofe.

Em qualquer um destes níveis, no da moral, da ética ou da metafísica, encontramos alternativas e oportunidades de escolha. Se o ser humano deseja realmente conduzir suas ações e construir seu destino, ele deve exercitar a escolha, em todos os três níveis, entre uma ou outra alternativa. Nós podemos seguir nossos instintos naturais ou compromissos sociais, podemos viver na hipocrisia ou na pureza dos motivos, e por fim, podemos nos deixar desenvolver pelo ódio ou pelo amor. Ao nos exercitarmos nestas escolhas re-descobrimos constantemente nosso ser e determinamos nosso caráter: o ser humano cria sua moral, quando adapta o instinto ao que ele próprio determina como correto em sua vida. Ele se torna ético, quando aproxima seus pensamentos de seus atos. E finalmente, o ser humano descobre sua dimensão metafísica, ou seja, o sentido profundo de sua vida, quando torna-se consciente de sua capacidade de amar. O ser humano escolhe o correto, se torna verdadeiro e vive do amor. Na inter-relação entre estes três níveis possibilita-se no ser humano a realização do indeterminado, do não condicionado e, portanto, do surgimento do novo.