terça-feira, 20 de julho de 2010

MUNDO DE PEDRA



Djanira Silva
djaniras@globo.com
http://blogdjanirasilva.blogspot.com/


          Janelas desbotadas, queimadas pelo sol, roídas pela chuva. Nas cordas encardidas, roupas desbotadas, segunda pele ressecando ao sol. Mistérios paridos nas madrugadas, sonhos abortados nas noites mal dormidas.
          Por onde andarão as mulheres e os cúmplices de um mundo de pedra e carne, de cores e músicas, de enganos e sonhos? Onde ficaram as promessas de uma felicidade que acaba no perfume e nos suores das roupas estendidas lado a lado numa janela desbotada?
          Calçadas vazias, esquinas apagadas, olhos invisíveis, estrábicos, espiam o mundo enviesado.
          A manhã, ainda pálida, se insinua por entre as árvores. Quero fugir desse para outro mundo, onde as barreiras dos pecados e os rosnados do perdão sejam apenas ameaças.
          Portas se abrem, janelas se fecham sobre o ressonar das madrugadas.
          Caminho sem olhar para trás. Por que temer se não sou a mulher de Lot? Das flores, já nem me lembro como eram antes. Passado, lembranças, esquecimentos. Almas achadas e perdidas banham-se nas lágrimas envidraçadas.
          Estaciono dentro de mim. Não adianta querer mudar, levar o corpo por outras estradas. Mudar de lugar não me muda de mim. Sou sempre eu, eternamente eu, dolorosamente eu.
          Num piscar de olhos a dor acende a luz, anula imagens coloridas, em sépia, em preto e branco negativos queimados.
          Portas se fecham, janelas se abrem. Tenho os olhos presos no olhar das portas no sorriso das janelas. O dia se derrete no calor da tarde.
          A noite viciada circula nas artérias das ruas. A vida escorrega para dentro da mulher. Sem pedir licença a dor planta a semente.
          Termina o tempo. A imagem apagada não se reacende nos anúncios luminosos. Não consigo ver passar o tempo nem a hora anunciada no bater do sino ou enganchada nos ponteiros de um velho relógio.
          Onde se guarda o tempo que ainda vai chegar? E o que se foi?
          Revivo os gestos. Revolvo os pensamentos. O rio avança para o mar, preciso voltar, não sei onde nem quando te esqueci. Será que te amei antes da morte? Que mágoa e esta que te apagou de mim?
          Portas se fecham. Janelas se abrem. Qual a que te esconde?
          Amanhã, ontem, hoje. Num destes tempos dos desencontramos.
          Uma história, muitas histórias caminham pelas ruas vazias, pelas ruas antigas. Qual delas se tornará saudade?

Obs: Texto retirado do livro da autora - A Morte Cega