Maria Clara Lucchetti Bingemer,
teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.
Não é apenas por sua beleza e seu talento que as lágrimas de Juliette Binoche comoveram o mundo quando foi anunciada a premiação do último Festival de Cannes. A causa é boa e séria. No dia 18 de maio, La Binoche chorou ao divulgar seu novo filme, Copie Conforme. A razão de suas lágrimas era ter recebido a informação de que o cineasta iraniano Jafar Panahi, preso no início de março pelo governo iraniano, havia iniciado uma greve de fome.
Panahi, conhecido por filmes como O Balão Branco (1995) e Fora do Jogo (2006), foi detido no dia 1º de março, acusado de "crimes não especificados". Atualmente, é acusado de estar produzindo um filme contra o regime dos aiatolás. Talentoso cineasta, admirado no mundo inteiro, Panahi sofre em seu país dura repressão que se estende também a sua família e parentes mais próximos. Seus filmes estão proibidos no Irã há uma década, e durante os últimos quatro anos o diretor foi impedido de exercer a profissão.
No início da premiação final do 63º Festival de Cannes, Juliette Binoche venceu na categoria “Melhor Atriz” por sua atuação no filme Copie conforme. Ao receber o prêmio, a bela atriz francesa mostrou um cartaz com o nome de Jafar Panahi, numa manifestação em favor da libertação do diretor iraniano.
Várias personalidades do cinema, tais como Steven Spielberg, Martin Scorcese e Francis Ford Coppola se manifestaram contra a prisão de Panahi, criticando veementemente o regime iraniano por esta demonstração de intolerância. Afirmaram que, tal como os artistas de qualquer parte do mundo, que vêm trazer beleza e criatividade à humanidade, Panahi deveria estar sendo celebrado e livre para realizar sua arte. E não preso por suas posições políticas.
O regime iraniano soltou Panahi, mas ele terá de pagar U$ 200 mil de fiança, embora as acusações que contra ele pesam não estejam esclarecidas. Como sempre acontece, a repressão odeia a transparência e a verdade e prefere esconder-se sob o véu da clandestinidade.
Impressiona ver como tantas vezes artistas, escritores, criadores de conteúdos e inspiradores de ideias e opinião são perseguidos, calados e reduzidos ao silêncio. Enquanto a inspiração voa solta e se traduz em poesia, em arte, em imagem que encanta e provoca a imaginação e o pensamento, a força pretende atrofiá-la com os recursos das armas, do confinamento, da brutalidade, do obscurantismo.
Quem tem medo de Jafar Panahi? Que mal pode fazer o sensível e talentoso iraniano que fez o maravilhoso filme O balão branco, sobre a menina que queria um peixinho diferente para o Ano-Novo? A pequena personagem de Panahi, para chegar com o dinheiro finalmente dado pela mãe até a loja onde o objeto de seu desejo está sendo vendido, tem que passar por uma série obstáculos num mundo de adultos mal intencionados e gananciosos pelo dinheiro e pelo poder.
A potencialidade criadora e a fecunda fantasia de Jafar Panahi inspiram medo. Por isso é preciso confiná-lo, prendê-lo e condená-lo a um isolamento que o impede de participar do festival de Cannes, de socializar suas criações livremente, de conviver com seus pares e com o público. Dali só sai pela fome biológica que entrega ao poder tirânico como símbolo de sua fome de liberdade. Ainda que sob fiança.
Felizmente ainda existem mulheres que são bonitas por dentro e por fora como Juliette Binoche, capaz de chorar e deixar que suas lágrimas e seu corpo selado pelo nome do companheiro preso tenham força bastante para comover a opinião pública. E, através desta, mover a força e gerar libertação. Quando a arte não pode voar qual pássaro livre, quando o talento inspira medo, algo muito obscuro e sério está acontecendo. Infelizmente não são tão raros casos como os do cineasta iraniano Jafar Panahi.
Maria Clara Bingemer é autora de "Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros. http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/
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