terça-feira, 18 de maio de 2010

O QUINTAL E AS BONECAS



Djanira Silva
djaniras@globo.com
http://blogdjanirasilva.blogspot.com/


A menina passava os dias brincando no quintal com as amigas da vizinhança, com as bruxinhas de pano ou mesmo sozinha. Ir para a casa dos outros, nem pensar, o pai não deixava. Os irmãos faziam carrinhos armados com latas e puxados por barbantes e ela tentava aprender com Sinhá Maria e a avó, a fazer bruxas de pano. Não levava lá muito jeito mas tentava. Naquele tempo, nem todas as crianças podiam ter uma boneca. Eram feitas de celulóide ou porcelana. As mais ricas podiam ter uma, os pais mandavam buscar na capital. Celulóide era um material que deformava com o tempo e as de louça muito bonitas quebravam com facilidade. Havia as de massa. Feias e desenxabidas, feitas de um material parecido com papelão e quando molhado dissolvia-se rapidamente. A menina tinha vontade de ganhar uma boneca de verdade. A mãe comprava, na feira, bruxas de pano, a avó e Sinhá Maria faziam umas maiores, com cabelos de fiapos de lã e vestidos iguais aos das pessoas grandes. Fizeram uma com saia azul e blusa branca igual ao fardamento da escola. As bonecas só tinham mãe. Nem de longe se podia pensar em bonecos, era assunto proibido. Um dia a menina pegou um sabugo de milho, enrolou num pedaço de pano preto, botou um chapéu de papel de cigarro e disse que era o pai das bonecas. Quando a mãe descobriu, ficou furiosa e jogou o pai sabugo no lixo.
Todas as bruxinhas tinham um nome. De vez em quando alguma ficava doente e morria, geralmente de sujeira. O enterro era feito embaixo da mangueira com velas de mentira e cruz de verdade. A última defunta, chamava-se Graziela, foi dormir suja de doce e acabou roída pelas formigas.
Um dia o pai chegou de viagem e trouxe uma boneca de massa. Enquanto ele tomava banho a menina pensou que ela também havia viajado e precisava se lavar. Foi para o fundo do quintal, encheu uma bacia com água e mergulhou-a de cabeça e tudo. Assustou-se com o que viu, não sabia o que estava acontecendo. A boneca encolhia, contorcia-se como se estivesse morrendo.
Dela só restou uma bola de massa disforme, e um olho azul flutuando na bacia.
A voz do pai era um açoite: você destrói tudo quando pega.


Obs: Texto retirado do livro da autora – Do Quintal para o Mundo