Djanira Silva
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O gato dorminhoco junto do fogão; a avó, pitando o cachimbo, acocorada junto do gato.
Ai que saudades das estripulias e diabruras que custaram castigos e palmadas, hoje lembrados como se fossem afagos.
Sempre quis ser feliz. Quando apanhava ia para detrás da porta desejar a morte de quem lhe batera. Tinha era muita raiva de apanhar. Na hora de dormir o remorso era pior do que as palmadas. Chorava de medo dos castigos de Deus. Logo chegava a conformação, aprendera que Deus perdoa quando a gente se arrepende. Acostumou-se a pecar, pedir perdão, pecar e pedir perdão, estava tão viciada que já nem pedia mais, ela mesma se perdoava.
A mãe dizia que ter filhos era uma carga pesada, caíam do céu por descuido e vinham para desconto dos pecados. Cansada de ouvir esta ladainha a menina cumpriu o seu papel, foi penitência para homem nenhum botar defeito. Tinha certeza de que a mãe, o pai, a avó, as freiras, as professoras, uma multidão de gente estava todinha no céu, por sua conta.
Quando entrou na casa onde funcionava a escola de dona Antonieta, teve foi medo. Tudo era muito estranho. Da forma como o padre havia descrito o inferno, pensou que estava chegando lá: escuro, sujo e quente. A parte da frente da casa era térrea, atrás tinha um desnível da altura de um primeiro andar. Chegava-se ao quintal por uma escada de pedra onde ficava o quartinho, hoje chamado de sanitário. Se um aluno precisava de ir lá, pedia para “ir fora” então a professora lhe entregava uma pedra que ficava sobre a mesa para controlar as idas e vindas. Pedra redonda, lisa e brilhante. Diziam os mais velhos que apareciam nos lugares onde caíam raios durante as tempestades.
Era precisa conseguir outra parecida para enganar a professora. Não foi difícil e logo estava de posse da similar. Pôs em prática o plano que havia traçado. Combinou com alguns colegas como deveriam fazer. Quando um pedisse para ir fora, outro distrairia a professora e colocaria a pedra substituta no lugar da outra. Na volta agiriam da mesma forma.
Executado o plano, sempre a dois, saíam pelo portão dos fundos e iam comer uvas num parreiral vizinho, na maior pressa, para que suas ausências não fossem notadas. Voltavam, faziam a troca e a menina voltava para a banca onde começava a cochilar, ela não sabia que uva em excesso dá sono. Difícil era conter os arrotos.
A professora mandou um bilhete recomendando que levassem a menina ao médico, estava indo com freqüência ao banheiro.
A mãe ficou surpresa. A filha, em casa, não se queixara de nada. Muitas vezes a avó dizia: esta menina tem estômago de avestruz, come de tudo e nada lhe faz mal.
Pensaram que estivesse doente, porque na hora do almoço não queria comer.
Depois de tantas aventuras o sono chegava cedo.
A menina, agora, tinha pouco tempo para cuidar das bonecas.
Obs: Texto retirado do livro da autora - Do Quintal para o Mundo