segunda-feira, 31 de maio de 2010

GARÇOM



Paulo Rebêlo)
(www.rebelo.org)


Nosso relacionamento com a instituição chamada garçom sempre foi uma eterna incompreensão para a maioria das mulheres.

Elas não entendem quando a gente passa meses fora e, na volta, queremos reencontrar nossos garçons e nossos bares de outrora.

Separações abruptas sempre são um processo doloroso. Delas e dos nossos bares e garçons preferidos.

Quando a bateria do celular descarrega e você fica incomunicável, ela não compreende quando você liga do orelhão, no dia seguinte, pedindo para vir lhe buscar na casa da garçom. Porque atire a primeira pedra quem nunca perdeu o ônibus bacurau ou bebeu o dinheiro da passagem de volta.

Às vezes o relógio atrasa e a gente perde a hora. O jeito é dormir no bar, nem sempre por vontade própria. Na falta de uma mulher-ambulância, é o garçom quem nos hospeda fraternalmente. Se você tiver sorte, a esposa dele ainda lhe esquenta um pão com manteiga antes de ir embora.

E depois das primeiras pedras atiradas, você conhece a família do garçom e descobre como os sofás alheios podem ser confortáveis diante das circunstâncias certas.

O garçom não é o nosso “empregado que serve à mesa em restaurantes”, como define pai Aurélio. A gente conversa, fala das novidades do Jornal Nacional daquele dia, mas ele também não é exatamente nosso amigo.

Quando bebemos além da conta, o garçom nos segura, nos ajuda a levantar do chão e nos leva até o táxi mais próximo, mas nem por isso ele é o nosso pai. Comumente é o garçom que diz ao taxista onde moramos, com direito a pontos de referência e nome do edifício – mas o garçom também não é nosso room mate.

Tem garçom que se recusa a servir a oitava saideira, principalmente quando você não consegue mais ficar em pé sozinho. A gente insiste porque coração de mãe sempre tem espaço para mais um, mas o garçom também não é mãe de ninguém.

O bom garçom sabe exatamente quando se aproximar, sabe quando puxar conversa quando queremos impressionar uma paquera ou uma amante, sabe quando manter distância na hora certa, mas nem por isso ele é nosso cúmplice.

Geralmente é ele, o garçom, o primeiro a saber quando levamos um chifre e vamos afogar as mágoas na mesa de bar. E nem assim ele se torna nosso vigário particular ou confessionário sob demanda.

Quando chego no bar com meus bloquinhos de papel para rabiscar idéias, é o garçom quem dá o primeiro feedback sobre um determinado assunto ou pergunta se falta muito para você terminar. E o garçom nem é nosso editor.

Garçom também não é álibi, embora tantas vezes ele atenda o telefone do bar para dizer que estamos lá, sim, bêbados e sozinhos, sem nenhuma sirigaita à mesa ou sentada no colo da gente.

Você pode ser irmão ou melhor amigo do dono do estabelecimento, mas é o garçom quem viabiliza a abertura do fiado no bar. Ele não é nosso avalista e nem gerente de banco, mas sem o aval do garçom você nunca vai poder tomar aquelas doses no pendura quando a fatura do cartão começa a apertar demais.

O garçom não é absolutamente nada que a gente possa definir durante aqueles momentos de fúria feminina quando trazemos um presente de viagem para o garçom, não para ela.

Sem a boa vontade do garçom, uma penca de mulheres feias nunca iria conseguir se aproveitar de nossa condição etílica e começar a mandar bilhetinhos no guardanapo. Garçom não é cupido, mas é quem faz o intermédio entre os rabiscos de papel e o seu arrependimento no dia seguinte.

A gente briga com o garçom, reclama, diz que a conta está errada e chama de cabra-safado. Juramos nunca mais voltar, mas no outro dia estamos lá novamente naquele mesmo bar, com o mesmo copo e exigindo o atendimento pelo mesmo garçom . Nem por isso o garçom é nossa meretriz.

A interação homem-garçom é uma relação cujo patamar de compreensão ultrapassa raciocínios lógicos de homens e mulheres. Bons garçons são um pouco como as boas mulheres. Sem elas, não faríamos nada. Sem eles, não seríamos nada.


Obs: Imagem do autor.