A Crise Portuguesa e os Horizontes da Esperança
por
J. A. Horta da Silva
(horta.silva@sapo.pt)
A crise é mais do que um simples vocábulo que atormenta os vagares e as pressas dos portugueses: é uma espécie de selo da vida de um povo. A História diz-nos que Portugal viveu e suplantou, pelos tempos fora, muitas crises mas, desde o transe da última dinastia, não mais encontrou rumo para se afirmar como país próspero, não obstante o surgimento da Republica ter acalentado esperanças, tal como aconteceu com o Estado Novo, o 25 de Abril, o 25 de Novembro e, sobretudo, a entrada na União Europeia. Infelizmente, por mais voltas que se dê a este torrão Luso, que amamos, o estigma da crise anda colado à nossa alma como a pele anda colada ao nosso corpo.
Os debates entre políticos deixaram de ter merecimento, a não ser para aqueles que vivem a política sob a emotividade inerente a paixões clubistas ou para aqueles que vivem, a política, dominados por interesses de carreira. No mundo mediatizado de hoje, a política revela-se, aos olhos do povo, como sendo um espectáculo ultra-exibicionista apresentado de forma seriada em diversos palcos, entre os quais se destaca, pela grandeza universalista, a Assembleia da República, pela grandeza tendencial, os Pavilhões onde se realizam os Congressos dos Partidos ou, pela grandeza da exiguidade, os proscénios que exibem os frente-a-frente televisivos, que deviam ser feitos com base no princípio do contraditório, mas que são feitos, vezes demais, tendo por substrato razões de outra índole. Presentemente, os políticos são sobretudo actores, não só quando declamam verdades insertas em trechos de comédia, de drama ou de tragédia, mas também quando mentem, declamando textos que decoram, não sei se em frente do espelho ou se orientados por um encenador que ensina, de forma teatral, o modo mais adequado para fazer passar a mensagem, mesmo que esta seja parca de conteúdo.
Portugal está mergulhado numa enorme crise económico-financeira. Quem o afirma são eminentes economistas, que garantem a pés juntos que, não obstante os sacrifícios que aí vêm, o país estará em 2013 na mesma situação em que se encontra hoje e apresentam, para provar esta asserção, gráficos com dados estatísticos e previsionais, que deixam o cidadão apopléctico. A Comissão Europeia já avisou, de modo meigo, que as medidas apresentadas no PEC pressupõem um cenário optimista para a economia portuguesa, asserção que algumas agências de rating tornam mais dolorosa. Até à data, a classe média tem pago a crise com língua de palmo e os reformados têm sido estrangulados até dizer basta. Antes de 2004, um casal de professores aposentados, com cerca de 2000 €/mês (cada), recebia uns trocos de reembolso de IRS, valor que dependia das deduções (despesas de saúde, seguros, aplicações PPRs, etc.). A partir daquele ano, a situação inverteu-se drasticamente. O mesmo casal passou a pagar cerca de 1000 € (2004), 2900 € (2005), 4800 € (2006), 5100 € (2007) números que definem uma tendência de agravamento rumo ao inferno. São velhotes, não têm necessidades, comentará a juventude envinagrada por andar há mais de dois anos a tentar o primeiro emprego (químicos, veterinários, economistas, engenheiros, arquitectos e outros licenciados) e comentarão muitos pais de família que estão no desemprego (mecânicos, electricistas, vidreiros, etc.) oriundos das inúmeras unidades de produção que têm vindo a fechar. A economia está em pousio e o Estado está semi-falido e procura, a todo o custo, tentar minimizar o défice das contas públicas não só esfolando o povo com impostos, mas alienando património e encerrando serviços a esmo. Contudo, nas Empresas Públicas, os ordenados e os prémios de produtividade são um estorvo à paz da consciência, tal como são um estorvo, à paz do íntimo, os negócios embiocados que não param de brotar, tal como os tortulhos que abrolham na manta morta do bosque, após as primeiras chuvas do Outono. De qualquer modo, não quero crer que os ventos impeçam a germinação de sementes de carácter, não obstante a feérica aparência dos actores, mais interessados em jogos de poder do que no desempenho adequado das funções para que foram eleitos.
Ninguém é modelo de virtude, a riqueza é um equívoco e a miséria um desencontro mas, por bem menos, fizeram-se revoluções no passado. A frase não é minha, é de um ilustre político português, a quem Portugal muito deve. Não obstante, durante a nossa efémera existência, nem sempre o que está mal acaba mal, e o futuro tem, obrigatoriamente, de ser encarado com esperança.