Sebastião Heber
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O termo “ presente”, na Bahia ultrapassa a semântica normal dos dicionários. Há um contexto cultural, afro-religioso, que nos transporta para o sentido dessa palavra. Raul Lody no seu Dicionário de Arte Sacra e Técnicas Afro-Brasileiras, nos diz que é “ o oferecimento religioso no Candomblé convertido em significados materiais. Cores, organizações e disposições de diferentes formas , resultando em verdadeiras montagens, instalações efêmeras pelo próprio ser simbólico e funcional do que convencionalmente chama-se de presente : presente de Iemanjá, presente de Oxum, entre outros”.
Os presentes, nos dias votivos aos orixás, são organizados em cestos, balaios, com flores, bem coloridos – são preitos individuais ou coletivos , jogados nas águas em homenagem/louvor ao orixá reverenciado. É assim no dia 2 de fevereiro, a grande Festa de Iemanjá, no Rio Vermelho. Centenas de milhares de pessoas lá vão reverenciar a Rainha do Mar. Também no Dique do Tororó, são feitas homenagens e presentes a Oxum, a Rainha das águas doces.
Manuel Querino ( que vai ser homenageado na Academia de Letras, de 23 a 25 de março, num belo Seminário sobre Personalidades Negras da Bahia), fala na talha , que é aquele recipiente comum nas cozinhas para conservar a água, e também cita que , quando “era anunciado que iam realizar as homenagens à Mãe d’Água, um grande pote de barro logo se enchia de presentes , como fossem : pentes , frascos de pomada, frascos de cheiro, côvados de fazenda, flores e tudo era atirado ao mar, na meia travessa, ponto muito conhecido dos marítimos” ( Costumes Africanos no Brasil).
Pe. Sadoc está aniversariando no dia 20 de março – são 94 bem vividos e bem “pregados”, isto é, há um fio condutor que acompanha essa vida. A tônica do seu ministério foi, e continua sendo, a palavra, a pregação, seus sermões e homilias – e isso já desde diácono, quando D. Augusto, sem acreditar muito nele, permitiu que pregasse numa festa em S. Amaro.
E como acontece todo ano, seus amigos se mobilizam para homenageá-lo.Há uma senhora na Vitória, que já é conhecida pela campanha que faz em torno do presente do Pe. Sadoc – é Solange Simões . Todos dão um pouco da sua generosidade, de acordo com suas posses. E como num ritual ( tudo na Bahia se faz como um ritual litúrgico), no dia do aniversário será entregue uma bela caixa com o contributo de cada um e também os nomes dos doadores. Mas parece até indelicadeza oferecer um presente/dinheiro a uma figura tão ilustre. Mas aquele dinheiro é sagrado. Pe. Sadoc é o homem da caridade. Essas esmolas que todos damos de cinqüenta centavos, um real e no máximo, de dois reais, ele as faz de dez, vinte a trinta reais aos mais pobres, conhecidos ou anônimos. Muitos amigos contestam e lhe dizem que aquele ou aquela fulana é drogado (a). Ele simplesmente responde :”A pessoa me pediu dinheiro para comer, e assim o fiz, mas se usa para outra coisa, responda diante de Deus”. Muitos não conhecem essa faceta dele. E isso, sem falar nas múltiplas ajudas que faz aos seus irmãos no sacerdócio. Há aqueles mais velhos, que ,desafortunadamente, não têm meios para viver uma velhice com o conforto que a idade pede. Também há aqueles, mais novos, que não têm uma paróquia mais aquinhoada. E todos saem de sua casa recebendo no bolso, quase que de forma brusca ( ele empurra no bolso da pessoa um pequeno envelope), alguma ajuda fraterna, daquele que, alem de ser Vigário do Clero, é, sobretudo, o irmão/pai de todos.
O amigo/irmão do Pe. Sadoc, Claudelino Miranda ( que sempre chamo de 1º escudeiro do Monsenhor), sempre organiza uma festa para alguns convidados. Este ano será no Catussaba. Conversando com ele sobre essa data, com entusiasmo ele me diz:”Aquela criança de S. Amaro nunca poderia se imaginar como aquele que veio a ser, isto é, o homem religioso, cercado de grandes valores, muita inteligência e, sobretudo de um grande coração. É importante destacar que S. Amaro é a terra de grandes vultos da Bahia . Cito alguns: Arlindo Fragoso, o fundador da Academia de Letras da Bahia, o criminalista Dorival Guimarães Passos , que foi também Secretário de Estado dos Negócios, da Educação e da Justiça, José Silveira que continua vivo através de suas obras, como o Nicsa (leia-se: Maria Mutti). No presente, alem de D. Canô e sua família, também cito a professora Zilda Paim, historiadora, mulher esquecida pelas autoridades daquela cidade, mas que tem o maior acervo da história santamarense.Pe. Sadoc é um dos mais ilustres dessa plêiade”.
Este ano a Missa, no dia 20 ( sábado), será às 8:00 h no Bonfim, a convite do Reitor do Santuário, Cônego Edison Menezes, amigo que almoça todas as 3ªf com Pe. Sadoc.
E isso tudo constitui um “presente” para aquele que é o amigo dos baianos, pobres e ricos. Todos encontram nele guarida e sempre uma palavra do Bom Pastor.
Sebastião Heber.Professor Adjunto de Antropologia da Uneb, da Faculdade 2 de Julho. Membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e da Academia Mater Salvatoris.