Euza Noronha
Acordei querendo ler uma besteira qualquer. Uma história de amor, bem amor. Ou uma revista daquelas que não dão nó em neurônios ou que fazem o pensamento saltar entrelinhas. E disse a mim mesma: hoje eu posso. Já fiz todos meus deveres de casa. (Porque uma pessoa precisa respeitar seus dias de papel em branco e deixar estes dias passarem despercebidos e anônimos e desconhecedores.)
Mas antes não pensava assim. Eu sempre me irritei e me entristeci e me compadeci com esta absoluta falta de leitura que ronda grande parte deste país. Algumas pessoas não lêem nada. Nem história de amor bem amor. Nem receita de bolo-felicidade.
Então larguei a Educação e fui trabalhar com caminhoneiros. E descobri que ficar irritada, entristecida, compadecida não muda a sintaxe do povo brasileiro. Nem me faz querer ser literariamente correta o tempo inteiro. E mudei. E comecei a pensar que ler qualquer coisa pode ser melhor que nunca ler nada. E que falar mal de subliteratura é olhar para o próprio umbigo e esquecer que nem todos os neurônios são preparados para devorar livros de grandes autores. Os neurônios que passam fome irão, no máximo, entender uma placa de sinalização. Aqueles que batalham para garantir o aprumo da coluna vertebral podem ir um pouco mais além. Mas raramente conseguirão passar das construções rudimentares de uma auto-ajuda, da linguagem infantilizada dos heróis de quadrinhos ou da legenda que abre a métrica de um corpo nu das revistas masculinas.
Culpa deles? Culpa minha? Culpa sua? Culpa das editoras que fecham espaço à poesia e entopem o mundo com Brunas Surfistinhas? Seja como for, fica a pergunta: é melhor ler qualquer coisa do que nunca ler nada?