RECORTES POÉTICOS
Sebastião Heber
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O Natal já se veste das cores que lhe são próprias. E com ele o apelo que essa festa contém. O convite ao consumo é fruto da sociedade em que vivemos. Se de um lado é “normal”, de outro, numa perspectiva mais profunda, talvez até mística, essa apropriação trace um território, como no Tratado de Tordesilhas, definindo quem pode ou não ter um “Natal Feliz”. Sob esse ponto de vista e essa ótica, é como se essa festa fosse apenas para quem pode dar presentes – e automaticamente, recebê-los.
Outro dia participei de uma Celebração da Palavra como preparação para essa data. E lá foram analisados os símbolos do Natal: a luz, a vela, a árvore, os cânticos,os presentes. Mas também foi colocada a figura do Papai Noel.
O Papai Noel, conforme a versão mais tradicional, é uma produção da década de 30, e vem da Coca Cola, nos Estados Unidos. S. Nicolau foi despojado de suas roupas esverdeadas para dar lugar ao vermelho daquele refrigerante. A bondade do santo para com os pobres, transmutou-se para o Bom Velhinho que “dá” presentes às crianças ( cujos pais podem comprar os presentes, evidentemente). E assim, começou uma corrida natalina às compras, aos bons comes e bebes, aos presentes.
Mas o Natal não pode ser seqüestrado. É como se o Presépio se transformasse em “presepada”. Elas são tantas na nossa sociedade: não precisa ir muito longe para se deparar com os mensalões, corrupções e desvios, sem esquecer o último de Brasília.
O Natal é um somatório de Natais para todos nós. Tem cheiro de infância e sabor de juventude. E os poetas sabem traduzir isso de modo admirável.Segundo Manuel Bandeira, no seu Canto de Natal, ”o nosso Menino nasceu em Belém,nasceu tão-somente para querer bem”. Quando vemos o Natal apropriado de forma exagerada pelo consumo, perguntamo-nos, com Machado de Assis: “Mudou o Natal ou mudamos nós?” Mauro Mota, famoso poeta pernambucano, é quem responde :”Natal, antes e agora. Imutável e feliz. Noite branca sem hora, no pátio da Matriz”. Carlos Pena Filho, no seu Poema de Natal, relembra a nostalgia dos sinos a repicar:”Sino, claro sino, tocas para quem? – Para o Deus Menino que de longe vem. Pois se o encontrares, traze-O ao meu amor. E o que lhe ofereces, velho pecador? Minha fé cansada, meu vinho, meu pão, meu silêncio limpo, minha solidão”.
Com Drummond, queremos, mais uma vez, Ver Nascer Um Deus :”O Cristo é sempre novo, e na fraqueza desse Menino, há um silêncio motor, uma confidência e um sino. Nasce a cada dezembro e nasce de mil jeitos. Temos de pesquisá-lo na gruta de nossos defeitos. Vi nascer um Deus. Onde? Pouco importa. Como ? Pouco importa. Vi nascer um Deus em plena calçada, entre camelôs. Na vitrine da butique, sorria ou chorava, não sei bem ao certo. Vi nascer um Deus entre embaixadores, entre publicanos, entre verdureiros.Quando os gatos rondam a espinha da noite, os mendigos espreitam os inferninhos, e nos museus acordam as telas informais e o homem esquece metade da ciência atômica. Vi nascer um Deus. O mais pobre, o mais simples”.
S. Francisco, o “poverello” di Assis e poeta de Deus, intuiu o esplendor do Natal quando criou o presépio vivo. Foi o primeiro da história. E foi mais adiante: queria que todos comessem bem nesse dia – ricos e pobres. Mas também os animais. Que se jogassem sementes pelas estradas para que as aves tivessem o que comer. Que o boi e o asno recebessem mais forragem. E dessa forma, todos tivessem uma “Noite Feliz”.
Sebastião Heber. Professor Adjunto de Antropologia da Uneb, da Faculdade 2 de Julho, da Cairu. Membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e da Academia Mater Salvatoris