terça-feira, 15 de dezembro de 2009

AS RAZÕES DE NOSSA ESPERANÇA

Marcelo Barros (*)
irmarcelobarros@uol.com.br


“Estejam sempre prontos para prestar contas a quem lhes pedir as razões de sua esperança” (1 Pd 3, 15). Esta recomendação bíblica da carta de São Pedro se torna atual quando nos preparamos para celebrar mais uma vez o Natal. Apesar de que as canções falam em esperança e amor, o comércio investe em mais consumo e concorrência. Nas Igrejas, recorda-se o nascimento do Salvador, mas, às vezes, esta mensagem parece longe da realidade do mundo. Em Estocolmo, os representantes das nações têm dificuldade de fixar novas metas para deter as mudanças climáticas. Nos cinemas, o filme 2012 mostra em imagens terríveis, inundações e terremotos que destroem o planeta e ameaçam a vida sobre a terra. Muitos cientistas dizem que a humanidade ainda pode evitar a realização desta profecia maya. Neste contexto de mundo, as comunidades muçulmanas iniciam nesta sexta feira, dia 18, mais um ano novo. Será o ano 1431 da Hégira e todos desejam que seja um ano novo feliz e pacífico.

No Brasil, as noticias da corrupção que ainda grassa em certas camadas da política fazem com que muitos se perguntem se tudo isso terá uma solução. Em breve, entraremos em um ano eleitoral e é importante que não se comprove o pessimismo de quem diz que seja qual for o candidato ou candidata que ganhe, mais uma vez, o povo perderá.

De um modo ou de outro, muitas religiões e caminhos espirituais, embora com termos diversos, apostam em uma visão de esperança como a confiança lúcida e operante na realização progressiva dos desígnios divinos para o mundo. Há quem prefira chamar esta esperança de fé.

A própria Bíblia diz: “Pela fé, Abraão partiu, sem saber para onde ia” (Hb 11, 8 ss). Assim, para a fé judaica e cristã, a esperança significa viver, no aqui e agora, uma confiança na promessa divina que se concretiza em uma atitude de construir o futuro. A promessa divina é raiz de esperança porque ela se compromete com a mudança da história. Ela diz que é possível mudar o rumo natural dos acontecimentos e nos faz apostar no contrário de todos os prognósticos racionais. Na Bíblia, a promessa divina é assim: abre o útero das estéreis e reinverte a ordem vigente. Derruba os poderosos e eleva os pequenos. Assim, dá à esperança uma raiz própria: a confiança amorosa no futuro que se abre para nós. Pode ser que não tenhamos respostas para as grandes questões da existência. Apesar disso, optamos por confiar que a vida tem sentido e é possível construir para a humanidade e para o planeta Terra um futuro mais feliz.

Fora da linguagem própria às tradições espirituais, a esperança ainda precisa de fortes razões para se justificar e se alimentar. Apenas uma análise lúcida da realidade social do mundo e do estado frágil e ameaçado do planeta Terra podem nos levar ao desânimo. A esperança não pode dispensar os dados objetivos da realidade, mas se alimenta de razões que vão além da conjuntura social e política. A convicção de que o próprio progresso da história e o desenvolvimento natural do Capitalismo acabarão conduzindo a sociedade ao Socialismo científico não tem sido verificada. Existem também escolas humanistas que apostam na bondade fundamental do ser humano e de sua capacidade de conduzir a história para o bem. A fronteira entre uma opção lúcida de esperança e uma confiança ingênua ou até alienada é muito tênue. De qualquer forma, Dom Hélder Câmara tem razão, sempre podemos descobrir razões para esperar e agir em função da esperança, criança brincalhona que acorda a casa e mostra o sol que nasce.

Guimarães Rosa dizia que “esperar é reconhecer-se incompletos”. Filósofos como Robert Solomon, com sua proposta de “Espiritualidade para Céticos”
[1], propõem uma espécie de ética que, sem precisar de nenhuma religião, se constrói como caminho espiritual, grávido de esperança. Trata-se de uma reflexão apaixonada pela vida que se concretiza na relação com a natureza, no gosto da música e no diálogo consigo mesmo e com os outros, além da intensificação da solidariedade com todos os seres humanos e com o universo.

Na primeira metade do século XX, Theillard de Chardin procurou traduzir sua fé de que o futuro do universo é a divinização do ser humano e de todos os seres vivos em termos científicos. Hoje, a organização dos movimentos populares e indígenas em todo o continente podem ser mediações desta esperança maior. O fortalecimento da sociedade civil internacional em fóruns por um novo mundo possível testemunha esta esperança exigente. Quem melhor precisou o coração desta esperança parece ter sido Dom Pedro Casaldáliga tem um poema, cujos termos parecem contraditórios, mas são indicadores desta sábia razão de esperar: “Saber esperar, sabendo, ao mesmo tempo, forçar as horas daquela urgência que não permite esperar”.

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[1] - ROBERT SOLOMON, Espiritualidade para Céticos, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2006.

(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.