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A mulher deitou-se sem sono e com o coração carregado de angústia. Um tremendo complexo de culpa a envolvia por inteiro. Vinham-lhe à mente vários fatos da sua vida. Percebia agora quantos erros havia cometido. Erros no relacionamento com seus familiares, com os colegas. Falhas cometidas no seu dia-a-dia principalmente com relação à educação dos filhos.
Revirando na cama pra lá e pra cá, pensava em todo o roteiro da sua vida. Algumas coisas lembrava com saudade, outras com tristeza e a maioria com remorso. Juntando todos estes sentimentos daria o quê?
Por que sempre ouvira recriminações desde os tempos de criança? Sem falar, é claro, nos problemas que criara com os pais, a sociedade, o colégio, em virtude do seu comportamento diferenciado, da autenticidade no seu modo de agir e da grande necessidade que sentia de afrontar os adultos e de escandalizar, rompendo com todos os tabus existentes naquela cidadezinha do interior.
Uma coisa sempre ouvira desde que aprendera a ouvir: “esta menina é muito inteligente”. Será que inteligência era coisa ruim? Agora, ali, deitada convivendo com uma insônia que a atormentava há muito tempo, vinha-lhe a certeza de que realmente inteligência não era lá uma coisa muito boa. Fazia sofrer.
Lembrou que, quando menina, ouvia a mãe dizer referindo-se à empregada:
- Quitéria é mesmo muito bronca. Não tem um pingo de inteligência.
No entanto, Quitéria era feliz. Quando chegavam as festas contentava-se com um vestido novo, nem precisava ser coisa boa, bastava ser novo, um par de sapatos comprados na feira, um perfume horroroso que a gente chamava de “quebra no beco”, alguns trocados no bolso e se mandava toda feliz para a festa de rua onde comia Beira Seca, tomava Gengibirra e voltava para casa cheia de graça só porque o dono da bodega achara o seu vestido bonito, o seu perfume cheiroso, e dera-lhe uns amassos no beco de Domingos Cruz.
A mulher pensando em tudo aquilo percebeu que nunca soubera ser feliz. Possuía bons vestidos, sapatos de fina qualidade, crédito pra comprar onde bem quisesse, dinheiro para esbanjar ou guardar, mas, mesmo assim nunca estava satisfeita, nada daquilo a contentava. Estava sempre se questionando por muitas e várias razões – porque o pai não dava atenção à sua mãe; porque a amiga mais querida era pobre e não podia comprar metade das coisas que ela podia, porque não se sentia importante para ninguém.
Tentou dormir. Fechar os olhos parecia-lhe pior. Ao fechá-los via reproduzidas dentro deles num desfilar cansativo, sempre as mesmas imagens. Não havia como delas se livrar. Era um nunca acabar de pensamentos e mais pensamentos, perguntas sem respostas, sem uma conclusão positiva.
Será que os filhos gostavam dela? Será que agira certo criando-os com rigor, mostrando-lhes que o mundo não aceita interferência em seus costumes sociais? – isto ela sabia bem.
Deveria ter errado muito. Alguns acertos possivelmente, raros, porém. Lembrou da frase do Evangelho: “Um homem se conhece pelos seus filhos.” Certo ou errado, o seu tirocínio, a verdade é que eles estavam entrando na engrenagem da vida e se dando bem.
Veio-lhe, de repente, uma certeza apenas uma, o amor que conseguira dar aos filhos fora um milagre, gerado espontaneamente, pois ninguém lhe havia ensinado como deveriam os filhos serem amados.
Obs: Texto retirado do livro da autora - A Magia da Serra -