DEUS SEGURANÇA

Padre Beto
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Naquele domingo eu deveria celebrar quatro missas, duas na parte da manhã e duas à noite. Depois da primeira missa, me dirigi para o local onde deveria acontecer a segunda. Estacionei o carro e às onze horas em ponto começamos a celebração. Uma hora depois me despedi da comunidade e quando cheguei ao carro tive uma grande surpresa: alguém conseguira desativar o alarme, abrir o carro e levar o aparelho de som juntamente com todos os cds que estavam no porta-luvas. Fui tomado por aquela sensação de impotência e não pude deixar de me queixar a Deus: "Chefe, eu estava trabalhando para Você. Bem que Você poderia ter..." Foi então que me lembrei da liberdade humana e comecei a rir da minha reclamação sem fundamento.
Graças à instabilidade econômica, a ainda fraca assistência do Estado em diversos setores e a insegurança em que vivemos, muitas pessoas procuram, hoje em dia, as religiões para se protegerem dos males existentes em nossa vida, para que seus obstáculos venham a desaparecer, para alcançarem uma estabilidade econômica e se sentirem seguras. Sem dúvida alguma, quando vivemos em uma sociedade cheia de problemas ou quando enfrentamos dificuldades e não vemos soluções imediatas por parte dos homens temos a tendência de recorrer a uma entidade sobrenatural. Os cristãos voltam-se para o Deus de Jesus Cristo. Porém, aqui é necessário um certo cuidado, pois caso contrário podemos entrar facilmente em contradição. Em primeiro lugar, nós cristãos acreditamos que o ser humano foi criado por Deus. Este, porém, o criou como pessoa, ou seja, como um ser que possui em sua essência a liberdade. Apesar da carga genética, influências do meio socioeconômico e da mentalidade cultural somos seres que não estão movidos automaticamente por leis naturais, mas temos a capacidade de optar, ou seja, a liberdade de escolha. Ao surgir na existência, o ser humano tornou-se automaticamente sujeito de sua história. A partir do momento que Deus nos criou como seres livres, Ele (por iniciativa própria) perdeu a liberdade. Portanto, se torna incoerente pensar que Deus age diretamente em nossa história modificando as situações, principalmente aquelas construídas pelo homem. Nós podemos utilizar o exemplo do roubo do carro. Deus deveria ter protegido o meu carro de um roubo, pois, afinal de contas, eu estava a serviço Dele. Porém, se Deus impedisse que alguém roubasse algo que me pertence, Ele estaria privando este alguém de sua liberdade. Este alguém possui a liberdade de decidir roubar ou não um carro, possui a liberdade de ser ou não honesto. Se Deus protegesse o aparelho de som de meu carro, podemos imaginar também que Ele estaria protegendo coisas muito mais importantes como residências, a produção de pequenos agricultores, pequenas empresas, etc. Com certeza, se Deus me arrumasse um emprego, Ele estaria, ao mesmo tempo, tirando a vaga de outras pessoas. Se Deus agisse em nossa vida desta forma, Ele já teria modificado o sistema econômico e estruturas políticas que prejudicam milhões de pessoas em nosso país e em nosso mundo. Ele, com certeza, evitaria guerras, não deixaria hospitais e presídios superlotados e milhões de seres humanos que possuem muita fé não morreriam por acidentes ou pela falta de assistência médica. Acontece que Deus, pelo menos o Deus cristão, não tira a liberdade do ser humano. Mesmo com sua presença, a vida continua a ser um risco e sempre o será. Deus não tira nossos obstáculos do caminho, mas Ele age em nossa vida sendo nosso companheiro, Aquele que nos dá forças para caminhar e superar nossos obstáculos. Deus não me arruma um emprego e muito menos faz com que minha conta bancária aumente, mas me dá a força necessária para que eu possa me desenvolver e lutar para uma melhor qualidade de vida. Quem possui a responsabilidade de construir a própria história somos nós, homens e mulheres.

O Deus cristão não é um "Deus segurança" que nos coloca em uma redoma de vidro e nos protege dos males da vida, mas um Deus que se propõe a caminhar conosco nos ajudando a enfrentá-los. Aliás, na Bíblia encontramos um Deus que motiva as pessoas a perderem o medo da vida e a assumirem os riscos da existência. A fé no Deus da Vida nos tira do comodismo e nos faz avançar: Abraão sai de sua terra e vai a busca de uma nova, o povo de Israel se liberta da "segurança" do Egito para construir sua própria história enfrentando o deserto, Maria assume o risco da vida tornando-se mãe de Jesus e o próprio Cristo enfrenta a tragédia da cruz com a força de seu Pai. "Homens da Galiléia, por que estais aí a olhar para o céu?" (At. 1, 11).