sábado, 31 de dezembro de 2011

SAMSARA


Padre Beto



Samsara de Pan Nalin é uma "história de amor espiritual", filmada nas imponentes locações geladas do Himalaia. O foco está centrado nas buscas empreendidas por duas pessoas diferentes. De um lado, um homem procura pelo esclarecimento espiritual por meio da renúncia ao mundo real. De outro, uma mulher quer encontrar o amor e uma nova vida inserida no mundo. Essas duas buscas, em determinado momento, se cruzarão e conectarão irreversivelmente a vida dos personagens. Porem, os dois perceberão que a vida não depende simplesmente das circunstancias, mas principalmente de nossas escolhas.

A vida do ser humano é definida a partir de escolhas. Através da escolha entre poucas ou muitas alternativas é construído o perfil de uma personalidade e influenciada a construção de outras personalidades. Além de ser o momento que nos convida à reflexão, o fazer uma determinada escolha espelha nossa visão de mundo e aquilo que verdadeiramente somos. O que é escolhido está intimamente relacionado com o sujeito que escolhe. Basta analisarmos as coisas mais simples do dia-a-dia, como por exemplo, o que e quando comemos. Pelo menos poderemos perceber se estamos realmente escolhendo ou nos alimentando automaticamente. Sem dúvida alguma, há situações que se tornam inevitáveis. São circunstâncias que independem de nossa própria vontade. Porém, mesmo o fatal nos oferece uma diversidade de alternativas: as diferentes formas de enfrentá-lo. Dependendo da maneira como reagimos diante das situações obrigatórias ou não desejadas demonstramos também nosso caráter e alteramos estas situações para pior ou melhor. O capitão de um navio pode avistar em alto mar uma terrível tempestade que se aproxima. Se o capitão é experiente saberá que a tempestade é inevitável, mas mesmo assim ele poderá controlar a velocidade do navio, a rapidez com a qual o navio se confrontará com a tempestade.

O momento da escolha torna-se muitas vezes fundamental, não simplesmente pelos pensamentos e reflexões que devemos desenvolver ao fazermos uma opção, mas pelo fato da oportunidade da escolha ser efêmera, fugaz, transitória. Diante de muitas alternativas encontra-se o perigo de, no momento seguinte, já não termos mais o direito de escolha. A seriedade diante de uma alternativa não está no fato de podermos viver o que escolhemos, mas no fato de termos que viver o que não escolhemos ou não conseguimos escolher. Muitas vezes, nos recusamos a fazer uma escolha acreditando que somos capazes de conservar a vida como ela se encontra. A vida, porém, é dinâmica e sujeita às mutações. Neste sentido, o mais importante diante das alternativas da vida não é o fazer a escolha certa, mas sim a energia, a seriedade, a vontade com que fazemos a escolha. Através da intensidade que realizamos as escolhas da vida anunciamos e consolidamos nossa personalidade, ganhamos respeito diante das outras pessoas e, muitas vezes, a escolha que aparentemente seria errada torna-se senão a mais correta, pelo menos a mais coerente. Se fizermos uma escolha com seriedade, talvez não cheguemos a fazer grandes feitos ou talvez não agrademos a maioria das pessoas, mas, com certeza, seremos nós mesmos. O objetivo fundamental do ser humano não deve ser a simples aceitação do grupo, mas sim a capacidade de ser autêntico. “A verdadeira grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê-las” (Aristóteles). Somente na autenticidade o ser humano descobre verdadeiramente o caminho de sua realização pessoal. E se pensarmos bem, esta realização pessoal não se concretiza através da opinião das pessoas, mas pela nossa própria consciência. Ser autêntico é uma qualidade que se encontra acessível a qualquer pessoa, desde que ela a deseje. A vida se desenvolve quando, em nossas escolhas, buscamos ser e fazer o que nos completa. A vida nos oferece sempre a possibilidade de escolher ou não escolher. Nessa decisão está em jogo a nossa autenticidade. Muitas vezes, deixamos que o grupo decida por nós, deixamos de fazer nossas próprias escolhas por medo de perder o amor de determinadas pessoas, medo da reação de outras pessoas ou por receio da mudança em nossa vida. Talvez o único medo que devemos ter é a perda do respeito diante de nós mesmos. Perco o respeito por mim mesmo quando nego, não por convicção, mas por fatores externos, meus valores e aquilo que sou. Somente assumindo minhas escolhas com veracidade encontrarei a razão de estar na existência e tornarei meu “estar aqui” algo significativo. Querer ser igual aos outros pode ser fácil no começo, mas se torna fatigante com o tempo; ser como sou pode me trazer dificuldades, mas sempre terei a certeza de que estou vivendo realmente. O primeiro passo para isso é perceber que sempre é tempo para recomeçar.