segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

O SANTO CONDESTÁVEL

Dom Edvaldo G. Amaral SDB (*)


          Uma vida que daria boa novela de TV, se em nossa televisão houvesse novelas sérias e com fundamento histórico...
          É a vida do santo que Portugal inteiro por mais de seis séculos chamou “O Santo Condestável”. E com razão. Agora é São Nuno de Santa Maria, finalmente canonizado por Bento XVI em 26 de abril deste ano. Nascido a 24 de junho de 1360, provavelmente em Bonjardim, era filho ilegítimo do prior do Crato, cavaleiro dos Hospitaleiros de S. João de Jerusalém. Com um ano de nascido, foi declarado filho legítimo por decreto real – coisas do tempo.. Assim pôde receber educação própria dos filhos dos nobres. Aos 13 anos, é pajem da rainha Dona Leonor e aos 16, por determinação de seu pai, casa-se com uma viúva rica, Dona Leonor de Alvim. Desta união, nascem três filhos, dois do sexo masculino, que morrem em tenra idade, e uma menina, Beatriz, que será esposa do filho do rei Dom João I, Dom Afonso, duque de Bragança..
          Morto o rei Dom Fernando I, sem deixar herdeiros varões, começa a luta pela coroa portuguesa entre seu irmão Dom João, Mestre de Aviz e seu genro, o rei de Castela. Nuno toma o partido do Mestre de Aviz e é nomeado por ele Condestável, um espécie de generalíssimo, isto é, comandante supremo do exército lusitano até a famosa batalha de Aljubarrota em 1385, em que se consagra a vitória de Dom João I como rei de Portugal. Começa aí a dinastia dos Bragança, a família real do Brasil.
          Nuno, ao lado dos dotes militares, tinha uma espiritualidade sincera e profunda. O amor pela Sagrada Eucaristia e a Virgem Santa eram o sustentáculo de sua vida interior. Assíduo na devoção mariana, em honra de Nossa Senhora, jejuava às quartas-feiras, sextas-feiras e sábados, e nas vigílias de suas festas. Participava diariamente da Santa Missa e comungava, conforme o costume da época, nas grandes solenidades. Com seus próprios recursos, construiu numerosas igrejas e conventos, entre os quais o Convento do Carmo em Lisboa e a famosa igreja da Batalha.
          Viúvo aos 27 anos, passou a viver vida de consagrado. Distribuiu grande parte de seus bens entre os colegas de batalhas e, finalmente, desfez-se de todos os bens que possuía quando, em 1423, entrou no convento carmelita que fundara e tomou o nome de Frei Nuno de Santa Maria. Sua vida, a partir daí, foi toda consagrada a Deus, à oração e ao serviço dos irmãos. Recusa qualquer privilégio e assume a condição mais humilde na comunidade, a de “frade donato”, pedindo esmolas para o convento e para os pobres. Em favor deles, organiza com os métodos e a mentalidade da época, a distribuição cotidiana de alimentos. O nome que assumiu “de Santa Maria” marcou seu programa de devoção mariana, sua doce Padroeira, que na Ordem do Carmo tem o sentido de fundadora e especial protetora.. Ao falecer no domingo de Páscoa, 1º de abril de 1431, foi logo proclamado pelo povo cristão do “Santo Condestável”, título agora ratificado pela suprema Autoridade da Igreja.
          Seu processo de canonização foi longo e complicado. Promovido pelos soberanos portugueses, foi logo assumido pela Ordem do Carmo. Só em 1915, o Papa Bento XV promulga o decreto de reconhecimento do culto, que existia “desde tempos imemoriais”. Em 1961, no sexto centenário de seu nascimento, é organizada uma peregrinação para trazer suas relíquias do sepulcro original para a Igreja do Carmo em Lisboa. Pouco depois, as relíquias são roubadas e, finalmente em 1966, a descoberta de alguns ossos do Beato reacendeu o desejo de ver proclamado o Beato Nuno como santo da Igreja, o que felizmente aconteceu este ano com o Papa Bento XVI.


(*) É arcebispo emérito de Maceió.