terça-feira, 19 de janeiro de 2010

VOLTANDO AO PASSADO

Djanira Silva
djaniras@globo.com
http://blogdjanirasilva.blogspot.com/



A mulher sorriu lembrando da menina que era dona do sol, da terra, dos pássaros, dos frutos maduros, da chuva miúda que dava água às plantas, das flores silvestres que enfeitavam o chão e suportavam as secas e as grandes chuvas, enfim, um mundo plantado na alma e que o tempo não conseguiu apagar.
Viu-se novamente a criança, e, de um pulo, desceu as escadas. Correu para a rua, esgueirou-se pela várzea, desapareceu por entre as árvores, estava no caminho da serra.
Sentiu vontade de se deitar no chão e abraçar o mundo. Ficou quieta como um camaleão mudando de cor. Confundia-se com a terra e quando chegou em casa a mãe reclamou: parece que andou se espojando no chão, o vestido está que é terra só.
Como era bom aquele cheirinho de mato verde esmagado, a terra macia deslizando por entre os dedos, longe de tudo, dos ralhos da mãe, da gritaria dos irmãos dos roncos de sinhá Maria.
A mulher acordou. Olhou à sua volta, sentiu uma saudade danada de grande. A serra já não era pequena, parecia velha e cansada feito ela.
O pensamento espalhou-se por toda a rua.
O vento andava pelo mundo e trazia os lamentos da serra: assim como você, também envelheci. Conheci outras meninas que por aqui passaram, amores que nasceram por entre os galhos das minhas árvores, no esconderijo das minhas pedras.
A mulher precisava das lembranças para continuar viva. Elas estavam na várzea, no caminho da cachoeira, nas ladeiras, por todos os caminhos.
Lembrou da mãe. Viu seu corpo velado no meio da sala. Olhos fechados, fisionomia serena. Quem dera ainda seus lábios se abrissem para reclamar, passar-lhe pitos, fazer reclamações. Quem dera.
Agora, ali sentada, compreendia que não fora a mãe quem morrera. Fora ela, ela menina, ela adolescente, que partiram dentro dos olhos fechados para sempre.
Quem a consolaria de não ser mais criança?



Obs: Texto retirado do livro da autora – Do Quintal para o Mundo -