quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

BUSCAR GANANCIOSAMENTE O QUE TEMOS

Padre Beto
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Um cachorro corria feliz com um pedaço de carne em sua boca. Quando chegou às margens de um riacho, notou o reflexo da carne na água. O cachorro imaginou imediatamente tratar se de um outro pedaço de carne que, pela distorção da água, parecia ser maior que a carne que possuía. Em uma fração de segundos, o cachorro tentou abocanhar também o que seria o pedaço de carne na água. A verdadeira carne caiu então de sua boca e foi levada pelas águas do riacho. O cachorro ficou totalmente desorientado pois, como em um passe de mágica, todos os pedaços de carne haviam desaparecido.

O desejo, o sonho, a aspiração são elementos que pertencem ao universo humano. É próprio do humano a atitude de desejar, de sonhar, de ansiar por uma realidade que ainda não existe. Estes componentes de nossa razão fazem com que possamos ter fantasia e nos levam a lutar para que esta se torne parte de nosso cotidiano. "Nossas necessidades são poucas, mas nossos desejos são incontáveis" (Bernard Shaw). A ambição, ou seja, a vontade profunda de realização de nossos desejos, não se constitui a princípio em uma atitude negativa, pois através dela podemos nos libertar da acomodação, do comodismo, enfim de toda a forma de estagnação. A ambição torna-se, porém, um problema quando, movido por ela, o ser humano perde a noção do que é essencial em sua vida e iludido por uma ganância insaciável fica impossibilitado de usufruir o que a vida lhe oferece. A ganância possui como primeira característica a insaciabilidade. O ser humano nunca se alegra verda! deiramente com aquilo que faz parte do seu momento. Ao contrário das necessidades naturais e saudáveis como a fome ou a sede, o desejo gerado pela ganância é insaturável e nunca nos permite o prazer satisfatório. Movidos pela ganância, nós não conseguimos nos concentrar no aqui e agora, mas sempre estamos vivendo em um passado de glórias ou em um futuro de realizações. O momento presente torna-se um espaço onde o passado é lembrado e o futuro é desejado, mas nunca uma plataforma na qual se experimenta a satisfação de viver. "Quem muito quer, muito tem que temer" (Cervantes). A segunda característica da ganância é sua necessidade de tomar posse do mundo. Ganância está intimamente relacionada ao verbo "ter". A identidade da pessoa humana realiza-se através de seu poder de posse, em outras palavras, eu sou porque eu tenho. Como o verbo "ter" aplica-se nas mais diversas situações, a ganância pode nos movimentar para as mais diversificadas direções da! vida, ou seja, nós podemos ansiar gananciosamente por bens materiais , pessoas, amor, fama, atenção dos outros, etc. Por fim, a terceira característica da ganância é a alegria superficial e de pouca duração. A ganância nos convence, por exemplo, de que a alegria está diretamente relacionada com o divertimento, ou seja, a criação de momentos lúdicos que estimulem sensações de satisfação. O divertimento é a forma consumista e possessiva de se atingir uma certa alegria na vida. Esta pode se manifestar em uma dose intensa, mas não se constitui em algo profundo e duradouro. Após o divertimento nos encontramos novamente em um vazio de satisfação que nos leva a uma nova busca de outras e diferentes sensações, ocupações ou atrações que nos possibilitam a aquisição de novos momentos de alegria. A frase latina "Omne animal post coitum triste" (todo ser vivo encontra-se triste depois do coito) demonstra bem o fenômeno natural de uma relação sexual na qual não existe nenhum sentimento que une um ser humano ao outro, quand! o o ato acontece simplesmente na busca de uma auto-satisfação. Não somente na relação sexual, mas em todas as dimensões da vida, podemos nos preencher de afazeres, divertimentos ou ocupações e no seu final estaremos estafados e insatisfeitos. "A vivacidade gera a verdadeira alegria", escreveu, certa vez, mestre Eckhart. A vivacidade, porém, não significa aqui a aquisição gananciosa de momentos de prazer, divertimentos ou bens materiais, mas no encontro da essência da vida, na realização da pessoa humana que nos oferece a satisfação de estar no aqui e agora. Para Gabriel Marcel o "ter" simplesmente não preenche a existência do ser humano. Não é no acúmulo de coisas e sensações que o ser humano se realiza verdadeiramente, mas no prazer de compartilhar sua vida com outras pessoas. Através da partilha do que temos e experimentamos é que encontramos o verdadeiro sentido de viver. "A vida merece algo além do aumento da sua velocidade" (Mahatma Gandhi).