quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

DA PRISÃO, DA ALGEMA E DA DÚVIDA

Vladimir Souza Carvalho *


          Eu estava lá e vi. O africano foi preso, pela Políce, no enorme sítio onde a Torre Eiffel se ergue. Primeiro, foi dominado, o policial lhe segurando por detrás. Depois, algemado, para enfim ser conduzido a sede policial ali mesmo instalada. O que fazia o africano? Vendia bugingangas (óculos, exemplares diminutos da torre, leques e similares), ao lado de outros colegas do ramo, que conseguiram se livrar do cerco, debandando do local. Apesar da pátria francesa ter legado ao mundo civilizado a idéia de liberté, egalité e fraternité, a algema foi utilizada no campo de um ato que, entre nós, no máximo, se constituiria apenas numa minúscula infração administrativa, traduzida na venda não autorizada ou venda em local não permitido.

          Já tinha presenciado a cena da fuga no ano passado, em Barcelona. Este ano, vi, em maior dose. No começo de La Rompla, sol inclemente das 14 horas, uns quinze africanos, com seus sacos nas costas, se livrando da polícia, a dificuldade de todos entrarem nas grutas do metrô ao mesmo tempo. Depois, no retorno ao hotel, nos subterrâneos do metrô, vi muitos deles sentados, a espera do tempo passar, a fim de, talvez, retornar ao campo de venda, na esperança de faturar alguns parcos euros.

          O registro dos dois fatos não objetiva abrir discussão jurídica, porque não conheço a legislação francesa e espanhola, nem tampouco nenhuma norma acerca da venda de lembranças aos turistas que pisam em solo francês e espanhol. E, ademais, o espaço [do jornal] é curto justamente para o recado ser breve. O que me balança o coreto se liga a presença do africano na Europa, na sua luta pela sobrevivência. Evidentemente que para a Police francesa prender e algemar deve estar amparada por normas que assim garantem sua atuação, sem necessidade, mais tarde, de, civilmente, o Estado responder por qualquer tipo de abuso de autoridade, ante o uso de algemas, da mesma forma que a policia de Barcelona se sustenta em algum tipo de lei para coibir tais vendas em lugares públicos.

          De qualquer forma, me lembrei de casos gigantescos – não diminutos mosquitos, mas acentuados elefantes – que o Judiciário brasileiro tem engolido, ao permitir que o assassino confesso, condenado em primeira e segunda instâncias, permaneça solto, enquanto se utiliza de todos os tipos de ação possível para ir esticando a discussão, justamente para não cumprir a pena, ou, por obra e graça da legislação, a redução de uma pena grande para quase nada, o que dá ao condenado a possibilidade de logo logo estar em liberdade.

          São eles, os europeus, com seu rigorismo, ou somos nós, com excesso de liberalidade, que estamos certos? A pergunta é oportuna, e o leitor, melhor do que eu, encontrará resposta. Ou, pelo menos, terá no seu cotidiano uma dúvida a mais.


Publicado no Diario de Pernambuco.