Maria Clara Lucchetti Bingemer,
professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio *
As balsas já começaram a ser montadas, os shows erguem os palanques, os corações e sobretudo as gargantas e estômagos se preparam. Nem bem acabou o Natal, o Ano Novo já se anuncia pelos preparativos, o clima que paira no ar, a sintonia das pessoas que substituíram Papai-Noel pelos fogos de artifício que rasgarão os céus durante vários minutos com a chegada de 2012.
E já na manhã do dia 1º de janeiro o comércio começará a encher as vitrines com produtos de Carnaval, pois os blocos e festas pré-carnavalescas começarão a acontecer antes dos três dias de Momo. E na Quarta-Feira de Cinzas ovos de chocolate brilharão sedutores, convidando ao consumo e ao sabor. E, assim, sucessivamente chegarão o Dia das Mães, o Dia dos Namorados, o Dia dos Pais, o Dia da Criança e todas as datas que o comércio festeja e das quais vive até que...de novo será Natal e nem percebemos.
Enquanto na Antiguidade o tempo era marcado pela semeadura e a colheita, e na Idade Média pelas festas religiosas, em nossa sociedade pós-moderna o tempo é marcado pelas datas estelares do consumo. E como é importante não deixar cair o ritmo, já que o consumo não pode perder a velocidade sob pena de perder o poder de sedução sobre as pessoas, a rapidez e a efemeridade são uma marca registrada de nosso modo de contar o tempo.
Vivemos apressadamente, pulando de uma etapa para outra, de uma festa para outra, de uma comemoração para outra. Não se celebra mais, comemora-se. Não se fazem mais ritos de passagem, mas sim saltos de mudança atropelados e sem preparação. Não se vive mais em profundidade, se é carregado pela vida, que não deixa tempo sobretudo para se pensar e refletir. Há que viver em ritmo de frenesi, de pressa, de sucessão vertiginosa, de emoções provocadas e rasas.
A fisionomia da pessoas durante o tempo que precede o Natal se transforma; estão ansiosas, apressadas, cansadas, esgotadas. Reclamam da centena de compromissos, dos milhares de almoços de “confraternização”, dos “amigos ocultos” em profusão, dos festejos vazios e sem finalidade. Nada cala fundo, nada convida a uma reflexão, nada marca um momento e faz suavemente a passagem para o outro.
Em 2012 a coisa promete repetir-se. Já há contagem de quantos feriados ponte haverá, em que época cairá o carnaval e como será possível emendar os dias para torná-lo mais longo. Assim como a Semana Santa, que santa para muitos deixou de ser há longo tempo, tornando-se apenas um feriado a mais, quando se bebe, se come, se dorme em demasia para depois cair na mesma rotina sem transformação interior, sem conversão, sem passagem pascal da morte para a vida verdadeira.
E, no entanto, depende de nós. Depende de nós andar na contramão dessa corrente que nos arrasta inexoravelmente. Depende de nós fazer com que o Ano Novo seja diferente. Depende de nós viver intensa e profundamente cada momento, não como um foguete que passa, do qual só vemos a cauda, mas deixando-nos moldar e configurar por ele. Depende de nós sermos senhores e não escravos do tempo que o calendário comercial nos determina. Depende de nós fazermos a pauta do Ano que começará em poucos dias.
Neste Novo Ano, vivamos a vida e não deixemos que a vida nos viva. Amemos as pessoas sem data marcada. Não só no dia fixado para homenageá-la. Beijemos nossas mães todos os dias e não apenas no segundo domingo de maio. Festejemos nossas crianças a todo minuto e a todo momento, e não apenas no dia 12 de outubro. Vivamos o carnaval com alegria, sim, que a alegria e a festa são coisas boas e humanizadoras. Mas vivamos também a Quaresma que nos prepara para a grande luz da Páscoa, que nos diz que fomos feitos para a vida e não para a morte.
Demo-nos tempo, pois o tempo nos foi dado. Ao criar o mundo e criar-nos, o Criador nos fez históricos e cronológicos. Se não vivemos nossa condição de seres históricos, se não refletimos sobre cada acontecimento, não poderemos aprender as lições da história e crescer com erros e acertos. Se tudo passa muito rápido por nós, como água pelo espelho, sem interiorização nem absorção, corremos o risco de passar correndo pela vida e sermos surpreendidos pela morte, que só nos mostrará no espelho da verdade o imenso vazio do não vivido.
O ano vem novo e cheio de promessas. É preciso vivê-las e vê-las transformar-se em realizações. Ou serem adiadas na fé e na esperança. Curtir cada experiência e dela fazer aprendizado. Para que o ano continue novo, mesmo avançando em seus 365 dias. Pois na verdade...o que são 365 dias diante da eternidade? FELIZ ANO NOVO!
* Maria Clara Bingemer é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.
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