segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

FALANDO CLARO

Maria Inez do Espírito Santo
www.mariainezdoespiritosanto.com



Ver, na primeira página de um grande jornal, uma manchete em tom irônico é, no mínimo, desanimador, pra quem sonha um mundo melhor.

Não bastasse os programas de televisão que alimentam as perversões, estimulando o que temos de menos nobre em nosso caráter ( cobiça, deslealdade, crueldade, desrespeito à privacidade alheia etc), convivemos (e muitos consomem) com revistas e filmes que além de nada acrescentarem em termos de criação, ainda distorcem nossa percepção da realidade e fomentam e banalizam a miséria humana, em todas as formas que esta possa tomar.

Mas de tudo isso, que é explícito, mas me incomoda a ironia. Porque contra essa é mais difícil lutar, exatamente pelo espaço não definido que ela ocupa.

Hoje o jornal diz que o criminoso visita o Rio mais uma vez. A décima nona! E é a palavra visita que me chama a atenção.

Além de dar destaque a uma pessoa que nada fez de bom pela sociedade (e, pelo contrário, apenas destruiu), enquanto se nega diariamente espaço para noticiar iniciativas culturais, educacionais e promotoras de saúde e bem-estar para a comunidade, mostrando assim o que sobressai nesse nosso mundinho sórdido, a chamada daquela notícia ainda confunde valores afetivos já quase agonizantes, hoje em dia. Porque visita, no meu tempo (e é verdade que meu reino não é desse mundo, me desculpem) era alguém que esperávamos com prazer e a quem recebíamos com carinho.

Ironizar ao noticiar o absurdo de dinheiro que é gasto com o processo criminal de levar e trazer um preso, é tratar-nos, aos leitores de forma dúbia. Como se fosse uma brincadeira falar desse assunto. Como se nós concordássemos, tacitamente, em entrar nessa brincadeira!

A imprensa tinha, antigamente é claro, o compromisso de informar. E informando, formava nos leitores a opinião crítica.

Hoje, ler jornal exige uma capacidade de seleção tão exaustiva para encontrar matéria de qualidade, quanto frustra a expectativa de buscar, no noticiário, informação idônea.

Para mim, uma sociedade ideal seria aquela em que todos os adultos assumissem, espontânea e naturalmente postura de educadores, de fala clara e conduta exemplar. Assim se poderia esperar a formação de novas gerações mais sábias e mais felizes. Mas quando o que se vê, em todos os setores, são adultos descompromissados com o amanhã, só se pode imaginar que logo, logo voltaremos, de fato, à barbárie.

E, na comunicação, a ironia pode ser um condimento poderoso, potencializador do que há de pior nas relações humanas: o mal entendido.