sábado, 31 de dezembro de 2011

A BARGANHA DELETÉRIA


Maria Lioza de Araújo Correia


Como todos os anos, o Natal chegou carregado dos sentimentos de amor, fraternidade e Justiça, que emanam do seu profundo sentido transcendental e que são os pilares do Reino de Deus, ora apresentado de forma contundente e verdadeira: "O Reino de Deus traz em si uma proposta radicalmente nova de relacionamento entre as pessoas e os grupos humanos; traz em si uma crítica a muitos projetos e maneiras de se organizar a sociedade e a vida de cada um ...; traz em si a denúncia de que a injustiça se petrificou nas estruturas sócio-econômicas que a cada dia matam milhares de seres humanos. Uns têm tudo, outros não têm nem terra, nem trabalho, nem salário digno, nem casa, nem comida... O Natal nos interpela a rever nossos projetos, rever os rumos que estamos tomando em nossa vida individual, social e comunitária, avaliá-los à luz da mensagem, revelada pelo profeta Isaías, segundo o qual, o Messias que ele anuncia fará reinar sobre a terra a paz e a justiça e difundirá o conhecimento de Deus: "Ele julgará as nações, corrigirá muitos povos". (Is 2, 1-5); "Ele não julgará segundo a aparência. Ele não dará sentença apenas por ouvir dizer. Antes julgará os fracos com justiça, com equidade pronunciará sentença em favor dos pobres da terra”. (Is 11, 1-9); Porei o direito como regra e a justiça como nível”. (Is 28, 16-17).

Como se vê, a justiça é um dos pilares e uma constante na mensagem profética sobre o Reino de Deus, que veio até nós na pessoa de Jesus Cristo a quem o profeta Isaías veste com o manto da Lealdade e o circunda com o cinto da Justiça, na expressão poética do canto "Da cepa brotou a rama", de autoria de Reginaldo Veloso, em que reproduz magistralmente, as exigências messiânicas anunciadas pelo profeta para a concretização do esperado e desejado Reino de Deus.

Infelizmente, este reino não se revela na justiça dos homens, cujos pilares não são revestidos com a argamassa da Lealdade nem circundados com o cinto da Justiça, como aconteceu, nos dias de espera do Natal, tempo propício à conversão dos costumes, quando João, clamando no deserto: "Convertei-vos! Preparai uma estrada para o Senhor! Endireitai os seus caminhos!", nos reporta ao vergonhoso episódio das articulações engendradas entre o PMDB e ministros do Supremo Tribunal Federal, as quais culminaram com a autorização daquela Corte de Justiça para permitir a Jader Barbalho assumir o mandato de senador, do qual estava afastado em função da sua ficha parlamentar ter-se revelado extremamente suja e sua imagem política maculada por atos e exemplos não condizentes com os princípios éticos, obrigatórios para quem exerce um mandato parlamentar.

O referido caso, publicado na grande mídia, trouxe perplexidade ao país, onde a Justiça além de cega é, também, surda e capenga, resultando lenta e tardia para agir a favor do clamor popular por direito e justiça, a exemplo do "Ficha Limpa", cuja decisão, até hoje, permanece indefinida. Entretanto, quando existe em jogo algum interesse de peso, as deficiências inerentes à Justiça desaparecem e as decisões surgem com celeridade inacreditável para quem é habitualmente morosa e tardia.

No recente caso, acima mencionado, as tratativas entre ministros do STF e caciques do PMDB, tendo como objetivo acatar o pedido do referido senador para voltar ao Senado, ocuparam o pequeno período de um mês, apenas, ao mesmo tempo em que provectos ministros do STF conquistavam a influência daquela casa legislativa para conseguir a inclusão de reajuste salarial em favor do Judiciário, no orçamento de 2012, em proposta apresentada extemporaneamente, após o prazo decorrido em agosto, quando o projeto de lei do orçamento já havia sido encaminhado ao Congresso.

Causa espécie que representantes da Suprema instância da Justiça tenha-se prestado a barganhar com as raposas políticas, troca de favores a serviço de interesses recíprocos, não propriamente edificantes para a Justiça, e, certamente, temerários para os interesses do povo brasileiro.

Por outro lado, é também lamentável que ministros integrantes da alta corte do Judiciário, detentores de prerrogativas e privilégios que são inacessíveis à imensa maioria dos cidadãos e trabalhadores brasileiros, estejam a criar arestas políticas, mediante pressões, não condizentes com a "liturgia" do cargo que ocupam, à moda própria das categorias populares e de seus sindicatos, quando reivindicam aumento para salários de sobrevivência, incomparavelmente inferiores aos de juízes e ministros dos Tribunais Superiores.

Ademais, não consta que o Poder Judiciario viva de "pires na mão", como é o caso da grande maioria das categorias de trabalhadores para quem um reajuste salarial é questão de sobrevivência e não de aumento de renda. Pelo contrário, é sabido que nas altas esferas federais e até estaduais predominam os altos salários, além dos privilégios e vantagens assegurados constitucionalmente à magistratura, nas duas esferas.

Por isso, soa completamente desafinada a ameaça de greve por parte desses lídimos representantes da Justiça Federal brasileira, que através de sua associação (AJUFE), alegam como argumento para tanto, desrespeito à Constituição Federal e configuração de crime de responsabilidade por parte da presidenta Dilma Roussef, segundo declarado pelo presidente da referida entidade de classe. Ora, a Constituição é para todos, sendo dever precípuo do STF zelar pela sua guarda e cumprimento de suas diretrizes, de forma geral. Assim, o Art. 7º, da CF, em seu inciso IV, determina que: o salário mínimo "seja capaz de atender as necessidades vitais básicas dos trabalhadores e de suas famílias com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisisitivo...".

No entanto, não se percebe o zelo pela Lei Maior, por parte de ministros da Suprema Corte, para fazer cumprir o que é ali determinado no tocante ao salário minimo dos trabalhadores civis, sendo o descumprimento do Art. 7º, inciso IV, fato público e notório ao longo de todos os governos, desde priscas eras. Talvez, se os salários dos três poderes fossem vinculados ao salário mínimo, houvesse interesse no cumprimento do dispositivo constitucional que se refere à grande massa dos trabalhadores brasileiros.

Em face da discrepância existente entre os direitos das baixas categorias, que constituem a maioria da população brasileira e os privilégios mantidos e reivindicados pelas elevadas categorias, agiu acertadamente a presidenta Dilma Roussef, em recomendar ao Congresso a não aprovação do aumento salarial dos magistrados e servidores dos tribunais federais.

Na verdade, a recomendação da presidenta está coerente com as medidas de austeridade que ela vem impondo ao seu governo, servindo, também, como prevenção para evitar que a crise internacional que segue demolindo a economia dos Estados Unidos e da Europa, envie o seu vírus demolidor à economia brasileira.

Nesse contexto em que a maioria sobrevive com salários inferiores às suas necessidades e, por conseguinte, de forma compulsória, vem dando, desde muito tempo, sua contribuição ao desenvolvimento do país, é inadmissível que a associação de classe dos magistrados federais estimule a divergência política contra as medidas de austeridade do governo, que visam estabilidade econômica para todos, mormente para os mais necessitados, em que, data venia, não se enquadra a magistratura federal.

Portanto, seria edificante que a magistratura assumisse o honroso lugar que ocupa no cenário brasileiro, vestindo o "manto da Lealdade" circundado pelo "cinto da Justiça", que o profeta Isaias, em sua mensagem messiânica nos mostra como sendo pilares do Reino de Deus na terra.