domingo, 29 de maio de 2011

A ARTE E SUTILEZA DAS PALAVRAS

Vladimir Souza Carvalho *


A atendente, no balcão na empresa área, pede o telefone e o nome de uma pessoa para caso de emergência. Não consigo conter o riso. Imagino uma emergência, lá em cima, durante a viagem. O avião balança e ameaça cair. O comandante aciona um aviso e, no aeroporto, de onde decolou, a empresa área começa a telefonar para as pessoas indicadas pelos passageiros para colocar a par da emergência. Seria essa situação factual?

Não é. Aí ingresso com minha pergunta: é para emergência ou é para aviso fúnebre? A atendente não segura também o sorriso, e, aliás, bonito, o que lhe uma tonalidade de vida. Em verdade, o termo emergência vai ganhar as cores de um eufemismo, para simbolizar outra situação de fato, que, ninguém, lá embaixo, salvo em filme americano, conseguirá resolver. Se for mesmo uma emergência, o passageiro vai receber ajuda quando estiver no paraíso, no que, evidentemente, da ajuda não vai mais necessitar.

Outras companhias evitam a pergunta, para não assombrar o passageiro. Nestas, no cartão de embarque, há, no verso, espaço para, sem a publicidade da pergunta, o passageiro possa anotar o telefone e o nome da pessoa que deve ser avisado de algo fortuito que possa ocorrer. Em outras palavras, do desastre fatal. Só pode ser. O passageiro preenche os dados, mas não o faz automaticamente, ficando a pensar – pelo menos, penso eu – se aquela é a última vez em que escreve o número do telefone e da pessoa da família a ser avisada.

O assunto pode não ser adequado para os que estão sempre empoleirados em avião, mas é uma realidade que a emergência, citada pela atendente, me desperta, na tentativa de dar a matéria um tom ameno, para não assustar o passageiro. Não se pode deixar de bater palma para a inteligência de quem esconde a realidade do desastre e, em conseqüência, da morte, com o lençol da palavra emergência. Para tanto, bato palma.

Outro exemplo vivi um dia deste. No guichê da empresa aérea, fui informado que o avião não desceria em Aracaju, seguindo direto para Salvador, onde, lá para as tantas da noite, se pegaria uma aeronave, de outra companhia, para Aracaju. Perguntei o motivo que pudesse explicar a não descida em Aracaju. Uma chuva violenta, um terremoto, uma guerra civil que tomasse o aeroporto naquele momento. Nada disso. A resposta foi simples: problema operacional. Qual problema, insisti. Problema operacional, me responderam.

Mesmo chateado, achei a resposta inteligente. Problema funcional. Excelente. Aprendi algo a mais, afinal, diariamente, a gente está sempre a se encher de experiência, não há como esconder. O que seria o problema funcional? Quem sabe lá! O homem moderno cria expressões que, educadamente, diz uma coisa com outra forma. Como a senhora que ao ouvir que uma conhecida ia se operar por causa de hemorróidas, corrigiu para melhor, aconselhando a esclarecer que a cirurgia era para corrigir varizes. Não pude deixar de bater palmas. Vivendo e aprendendo. Camões tinha inteira razão. E como tinha.


Publicado no Diário de Pernambuco