segunda-feira, 28 de março de 2011

A (in)utilidade das coisas ou a (in)suficiência das pessoas*

Patricia Tenório
http://www.patriciatenorio.com.br
patriciatenorio@uol.com.br




05/03/2011


          Arranco as penas de mim ao ler, devagar e atenta, mecarregaTECARREGO, de Rodrigo Malagodi.

          Não sei se porque bebo do mesmo e do rio novo de Heráclito, quis disfarçar a vertigem do mergulho na duplicidade do (dis)curso que Rodrigo se propõe e nos convida.

          Do ser humano sabemos pouco, ou quase nada. Apenas que o orgulho e a humildade caminham juntos e a léguas de distância. Caminham para não petrificarem os sentidos, para porem-se em movimento e do movimento gerar a criação.

          …enquanto não aprendo a andar DEVAGAR VOCÊ APRENDE mas se você me carregar, como vou aprender? BOA PERGUNTA, MAS A PRIORIDADE AGORA É QUE VOCÊ SAIA DO LUGAR, DE ALGUMA FORMA, O MOVIMENTO…

          Nas curvas, os corpos se aproximam, e sob o peso um do outro, sincronizam a respiração. Somente posso quando traço um arco ao encontro do diverso, quando nos perfazemos ponte de significado e sentido.

          “O traço que se riscar não se afirmará como proibição mas como estrada de um território a outro.

          (…) O outro caminho permite definir o próprio.

          (…) Com-um é o princípio e o fim na circunferência do círculo”.

          Naquela estrada, entre paredes imaginárias, com portas que se abrem e fecham ao aprendizado de si, ao aprendizado do alheio, ao aprendizado da vida, dois seres famintos e falantes exprimem nossas fraquezas, conflitos, incertezas.

…sabia que você ia cair

desculpe-me

sem problemas

não tenho forças

sou um fardo

não, seu peso é necessário

mas você não agüentou, estamos…

no chão, mas posso melhorar

já é o bastante

você é gentil

          Levanto-me de onde estou, na (in)utilidade das coisas, na (in)suficiência das pessoas, na busca da repercussão às indagações, pois há tanto sinto falta das palavras, de sentido. Da escrita.

          “O homem, encontrando em si a ordem que rege o universo, não se locomove como estranho nos lugares que freqüenta. O fogo da razão habita o lugar elevado, outrora reservado aos deuses. Quem retorna dessas culminâncias abre nos estágios inferiores trilha iluminada, garantida aos que não se contentam com a função de se alimentar e reproduzir.”

          Paro diante da fresta que se forma entre o que Rodrigo, Heráclito e Schüler exprimem. Me encolho inteira e assumo a responsabilidade pelas passagens de um canto ao outro, escoriações, soletrar esquinas, recolher fagulhas.

          …CANSEI do quê? DA CONVERSA ou do meu peso? DO PESO DA CONVERSA a mania de querer entender SIM, AGORA É SUA VEZ do quê? DE ME CARREGAR…

         
          Para quê o outro? Para quê coragem? Despeço-me do que fiz, abraço o que fui, sabendo que não retornarei a mim, e a mim continuarei crescendo, crescente em minhas mãos.

          “À noite, o homem ace(n)de a (à) luz, ao morrer para si mesmo, apagada a visão; mas em vida ace(n)de, ao dormir, (a)o morto, apagada a visão; na vigília ace(n)de (a)o que dorme.”

         Não basta perder-se para encontrar o que habita em nós. É preciso abrir espaço para que se flua, o rio, a vida, para que se desatem os nós que em nós fazemos.

VoCÊ E A mIM E A VoCÊ E A NóS E a NóS E a NóS aNoS e AnOs e A nóS

E A nÓs

E NuNCa dEsAtAr

Os


NóS


qUe SoMos


vOcê E eu e você? cadê você?


Desfazem

Nós

Tramam…

Nós seguimos, nós

Desfazemos,

Um a um, nó, só, nós…

Desfazem-se os nós,

Nós,

Podemos desfazer os nós, contras e prós

Nós e nós

Nós em nós com nós.

Não há nós

Fio reto para tecer-nos

Ternos ex-nós.


(Nós, Emilson Zorzi, Setembro/2010)



Param

As vespas cantantes

No santuário

Do meu canto límpido

Você

Atravessa o espaço

Outrora alheio



Agora nosso

Para

Desfazer os nós

Que em nós se armaram

Até os ossos



Vem

Na manhã fria

Uma luz, um fio

A costurar palavras

Onde agora posso

Refazer os nós

Dos que se amaram

Até os ossos


(Nós, Patricia Tenório, Setembro/2010)

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* Um estudo a partir de mecarregaTECARREGO, de Rodrigo Malagodi, prelo e “Heráclito e seu (dis)curso)”, de Donaldo Schüler, L&PM. Os trechos que pertencem ao primeiro texto estão em itálico; os que pertencem ao segundo, entre aspas.