domingo, 6 de março de 2011

FEFI, HERÓI DA MINHA INFÂNCIA

Vladimir Souza Carvalho (*)


Tivesse de escolher um herói para minha infância, o primeiro nome a surgir era, como é, o de Fefi. Aliás, há muito perguntava aos meus botões o que seria da infância dos da minha geração não fosse Fefi. Exagero meu? Em absoluto. Verdade, no duro, justificando a escolha na agitação que Fefi promovia, a envolver, sob a sua liderança, um bocado de gente, em atos e fatos que ficavam fazendo parte do roteiro turístico daqueles tempos das ruas de Itabaiana.

Arrolo alguns deles para não passar por conversador. Da cabeça de Fefi, por exemplo, saía a presença de Papai Noel, lá para às quatro horas da tarde. A gente cercava seu armarinho logo no começo da tarde, e, ficava pacientemente esperando que o caminhão trouxesse o Papai Noel, que a molecada dizia ser Zé Gorducho. Todo o esforço se concentrava em ganhar, pelo menos, uma bala, que Papai Noel ia atirar em direção da meninada. Na carroceria do caminhão, Papai Noel, ao lado de Fefi, desfilava pelas principais ruas da cidade, para delírio da criançada.

E o nome do seu armarinho? Armarinho Tem-Tem. Não existia em todo o comércio de Itabaiana uma casa com um nome mais original. Os nomes, à época, aliás, eram sisudos, quase todos com o sobrenome do dono, como, por exemplo, Loja Carvalho, de Jubal Carvalho, meu pai. Ou então, de santo: Padaria Santo Antonio, de Zé Gordinho. O Armarinho Tem-Tem quebrou essa monotonia, na afirmação e confirmação da mercadoria desejada. Foi o único, aliás, à época. Nem Euclides Paes Mendonça, que também era irrequieto, superou Fefi em suas duas casas comerciais.

E o carnaval que se operou na Praça da Matriz, com a vitória do Brasil na Copa de 58? Quem o comandou? Ora, Fefi, com o chapéu que usava no bloco Lobos do Mar, de garrafa na mão, se deixando fotografar por Romeu, em fotos que, em ocasião outra, já me referi, e que me serviram para memorizar o dia em que o Brasil, pela vez primeira, foi campeão do mundo. Não fosse Fefi, para movimentar um carnaval, e, Romeu, para fotográfa-lo, minha memória ficaria vazia daquela memorável conquista.

É pouco? Pois vamos lá. A micarême de Itabaiana durante alguns anos, na década de cinqüenta, se escrevia com o nome de Fefi, idealizador de um bloco, com o nome de Lobos do Mar. No domingo à tarde, o desfile. Eram três os blocos: Lobos do Mar, Margem da Serra [de João Criano] e um, cujo nome não me vem à memória, comandado pelo barbeiro João Rocha. Fefi, de calça, camisa e chapéus, todos na cor branca, gravata curta, comandava o Lobos do Mar, com a porta-bandeira segurando a bandeira, digo e retifico, segurando o barco a frente, com a inscrição do nome do bloco. A praça se enchia de pessedistas e udenistas, para ver os três blocos desfilarem, divididos em duas correntes, uma, querendo que o primeiro lugar ficasse com o Lobos do Mar, a outra com o Margem da Serra (o terceiro bloco não tinha torcida forte), enquanto, no palanque, o mesmo que Euclides usava em seus comícios, no meio da Praça, voltado para o antigo prédio do Banco do Brasil, uma comissão, composta não sei por quem, julgava os três blocos.

Só capaz de jurar que Fefi era o fósforo que tocava fogo em tudo, na movimentação da festa, na propaganda, na arrumação de seu bloco, como um redemoinho que despontava em todas as frentes, para quebrar a monotonia das tardes de domingo, durante a micarême em Itabaiana. A festa podia contar com outras participações. Mas, o chefe de tudo era Fefi.

Uma fotografia do bloco Lobos do Mar veio parar nas minhas mãos, foto, aliás, confesso, que já conhecia de tempos primevos. Mas, agora não era só uma foto. Era um pedaço da nossa história, da história urbana de Itabaiana dos meus tempos de menino, e, ali, na foto, que Alba me repassou – para tirar cópia e devolver -, com a data de 1958, que nossa tia Nazaré mandou para uma tia outra, também nossa, no Rio de Janeiro, estava lá o meu herói de infância, magro, cara de menino, ao lado de figuras outras, umas já levadas desse mundo, a maioria por aqui, a figurar no bloco, todos pacificamente parados em frente ao Grupo Guilhermino Bezerra, fazendo pose para Romeu imortalizá-los, a fim que, precisamente cinqüenta e três anos depois – estamos perto de abril – pudesse vê-los no filme de minha memória em seus passos, gingas e balanços pela Praça da Matriz, a prenderem a nossa atenção, como se fossem deuses de togas brancas que, descendo do Olimpo, escolhessem a Praça da Matriz de Itabaiana para sua dança divina.

E aí, mostrando a foto ao compadre Luiz Carlos Andrade, invocamos o nome de Pierrozinho e da filha de Euclides Alfaiate, porta-bandeira, de passos cadenciados, ambos do Margem da Serra, entre outros que encantaram a micarême de Itabaiana, e que não me saíram da cabeça. Mas, o destaque especial fica para Fefi, mentor de tudo que pudesse expelir alegria, único comerciante que deixava o balcão de seu estabelecimento para sacudir Itabaiana.

E o Fefi dirigente e torcedor do Itabaiana? Paciência, aí só um livro para contar suas façanhas.


(*) Membro da Academia Sergipana de Letras.

Publicado no Correio de Sergipe