por
J. A. Horta da Silva
No artigo de opinião “Presidentes e Presidenciais em Portugal”, publicado neste blog em 2011/01/31, deixámos expressa a seguinte interjeição: «o futuro dir-nos-á se Aníbal Cavaco Silva irá ou não plagiar a actuação dos seus antecessores…» que foram politicamente muito mais intervenientes no segundo mandato do que no primeiro. Aliás, não deixa de ser oportuno recordar que, na vigência da campanha eleitoral, Cavaco Silva se mostrou pudicamente generoso relativamente à História do Portugal Democrático. Contudo, na tomada de posse na Assembleia da República, o discurso do Presidente da República cedo mostrou que o novo mandato seria desempenhado não só de um modo mais interveniente, mas também de uma maneira mais acutilante. Cavaco foi, inclusivamente, inovador na forma e no conteúdo do seu discurso de posse, quer por ter sido demasiado áspero em relação ao governo e ao Primeiro-Ministro, quer por ter pisado a fronteira da diplomacia, razão bastante para o surgimento de alguma turbulência transversal ao hemiciclo, que deu lugar a um acervo de acrimónia entre os deputados do PS, a um surto de júbilo nas bancadas do PSD e CDS e a uma disfarçada indiferença nas bancadas do BE, PCP e PEV.
Tendo em conta a longa caminhada que Portugal terá de percorrer para resolver o problema do défice – pejada de estorvos e angústias provocadas por maus desempenhos de uma panóplia de governos e por alterações de estratégia político-financeira da Alemanha e da França – o discurso de Cavaco Silva pareceu-me algo inconveniente e imprudente, tendo em consideração a agitação que perpassa por todos os países periféricos da zona euro e também pela turbulência que corre nos mercados bolsistas. Por outro lado, a utilização do Facebook por parte da Presidência da República, para difundir mensagens ao país, é o culminar de um modo de comunicação distante e frio e, porque não dizer embiocado de burel, facto que pode indiciar que a primeira figura do Estado padece de alguma intranquilidade. E por tudo isto, só me resta responder à maneira da linguagem usada no Facebook: «não gosto disto».
No entretanto, o país anda à deriva, a ponto de José Sócrates ter virado as costas a Cavaco e às oposições, para dar corpo a encontros com Angela Merkel, Nicolas Sarkozy e Durão Barroso relativamente a reajustamentos do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). É óbvio que, na presente conjuntura, ao PSD e CDS interessava mais que o governo estorricasse nas brasas do infortúnio, à procura de uma solução para o problema da dívida soberana. Aníbal Cavaco Silva sabe isso melhor que ninguém! Não foi ele que, na qualidade de Presidente do PSD, acabado de eleger no Congresso da Figueira da Foz, descalçou o governo do Bloco Central (6/11/1985) quando soube dos bons resultados, alcançados pelo meritório trabalho que o executivo de Mário Soares conseguiu pelas mãos de Ernâni Lopes, então ministro das finanças? Contudo, desta vez, os cofres da União Europeia além de não pingarem vintém, exigem retorno em euros. E por estas razões, o Primeiro-Ministro deixou o Presidente da República, o PSD e o CDS entre a espada e a parede, facto pelo qual existe uma enorme possibilidade de o governo cair esta semana, dando lugar a uma crise política de dimensões obscuras. Para os partidos de esquerda, não sei se os tempos que aí vêm são de consternação ou de regozijo, mas todos sabemos que estão criadas as condições para as grandes manifestações de rua, do agrado do PCP, BES e PEV e também das centrais sindicais. O futuro executivo, qualquer que ele seja, vai ter de aceitar as imposições da Alemanha e da França e não deve haver modo de evitar a entrada do Fundo Monetário Internacional. Mas desta vez, o FMI não só entrará em Portugal na qualidade de entidade fiscalizadora do cumprimento das medidas de austeridade que forem determinadas, mas também para ir reavaliando a necessidade de implementação de exigências ainda mais drásticas, caso aquelas medidas não dêem os resultados previstos.
Ocasionalmente, a sorte negligencia as adversidades, razão pela qual vamos recolhermo-nos ao abrigo da esperança. Mas o horizonte está repleto de serras bravas, de escarpas íngremes e de nuvens negras que prenunciam enormes dificuldades. Nesta fase da crise, implorar ao bom-senso já não adianta. É por este tipo de situações, que a política portuguesa se esvazia de credibilidade...
Coimbra, 20 de Março de 2011.