domingo, 16 de janeiro de 2011

SOBRE RASTROS E PEGADAS


II – DORMINDO NO PONTO
Maria Inez do Espírito Santo
www.mariainezdoespiritosanto.com


Ontem eu recontei, aqui, “O Jabuti e a Anta”, uma história dos índios brasileiros, que chegou, herança trazida pela tradição oral, até nossos dias, só Deus sabe a partir de quando... Atemporal e extraordinariamente pertinente para a ocasião, foi com ela que abri um Congresso Nacional de Educação de Surdos, falando sobre Ética, anos atrás.
Naquela época, ressaltei muitos conteúdos importantes da narração. Levantava,com a reflexão, muitas questões a respeito dos valores universais, mas uma delas, abria o grande leque dos debates:
O que havia sido pior para o jabuti: ser pisado ou nem ao menos ter sido visto?
Dolorosa dúvida!
Depois, pensando na bosta como rastro, fazia o alerta para o quanto nossa “obra” nos denuncia. Sobre o quanto não podemos fugir da responsabilidade de nossos atos e até de nossas atitudes.
Hoje, retomo a história, ainda com essas mesmas lições, mas acrescento outras. Tenho pensado, ultimamente, por conta, talvez, de um balanço sobre minha própria vida, já que os anos são chegados, na importância dos passos que damos, como um roteiro para os que vêm depois de nós, ou mesmo como possibilidade de formarem um mapa de regresso, na necessidade de refazer e até corrigir o caminho, se necessário.
Há quem se julgue capaz de limpar seu próprio rastro, ao passar, não deixando sinais da rota percorrida. Sem história, sem marcas, sem “herança”, sem exercer a generosidade de deixar atrás de si um modelo verdadeiro, ainda quando imperfeito, esses se iludem pensando que podem reinaugurar a vida, sem comprometimento com o já vivido, sem a responsabilidade com os afetos, nem a lembrança dos tropeços. Tudo ilusão!
Olham apenas para a frente, ignoram que, diferente de antas, possuem a flexibilidade de um “pescoço” (que no caso é todo o potencial afetivo vivido e acumulado), que, se usado, lhes permite “ver” de diferentes perspectivas, perceber o que está a sua volta, ter cuidado com o outro e reconhecer, assim, as diversas naturezas da própria Vida.
Já os “jabutis” correm o risco de ir do medo ao ressentimento, hesitando entre se sentirem vítimas de desconsideração ou de humilhação, ambos sentimentos aviltantes.
Na história, quando o jabuti retoma seu caminho, três anos depois, possivelmente não havia mais pegadas da anta. Mas ali estava o rastro montado pelas bostas. E é por ele que o jabuti chega até a inimiga.
Afinal, citando o feliz comentário de Bee Campos, aqui no Blog, podemos concordar que “todo jabuti tem seu dia de sabiá”.
E eu ainda acrescento: até canela seca pode vira flauta, pra quem sabe criar em cima do inevitável!
Portanto: Atenção! Acordem, antas, enquanto ainda dá tempo!!!!!