domingo, 16 de janeiro de 2011

DOS RIOS, DOS BARCOS E DAS FOTOS

Vladimir Souza Carvalho *


Comparo o Rio Sergipe, que trafega pela frente de Aracaju, esplendidamente largo, desde que recebe as águas do Rio Cotinguiba e do Rio do Sal, até, de um lado, passar a ser o Rio Poxim, e, de outro, desaguar no Oceano Atlântico, com o Rio Capibaribe, a circular por dentro do Recife. Se o primeiro separa Aracaju do mar, banhando toda a sua frente, ou seja, a frente do primitivo aglomerado de pescadores que se transformou em cidade (daí a denominação dos tempos antigos, de Rua da Frente, que ainda persiste, para a Av. Ivo do Prado), o segundo se imiscui por dentro do Recife, como uma cobra mansa e sonolenta, às vezes profundamente larga. Grandiosa a paisagem dos dois rios, vista de cima do poleiro do avião.

Neles, há algo que me atrai a visão, ligando um a outro: os barcos de pesca. Barcos pequenos, a maioria sem motor, movidos na força do remo, um ou outro com vela.

Os de Aracaju, se situam à frente do Bairro 13 de Julho, em número bem diminuto, a colocar o homem na sua paisagem natural, na repetição daquilo que há mais de século já fazia, ou seja, a pesca, de forma rudimentar, açulado por pequenas redes, uns poucos na base do anzol. O Rio Sergipe ganha vida quando os barcos lhe ocupam espaço. Os do Recife, em número acentuadamente maior, vejo-os quando me dirijo à sede do Tribunal Regional Federal da 5a. Região, de manhã cedo, em frente ao aglomerado de velhos depósitos que antecede o forte adiante, no viaduto, em forma de curva, que dá entrada ao Recife Antigo. Também os procuro e os vejo do gabinete, do lado direito, olhando para o nascente, na parte larga do Capibaribe, às margens de um lado da Av. Martin Luther King, e de outro, uma parte da Rua da Aurora, e, adiante, da Rua da Autora, principalmente quando a maré está alta e o rio se torna navegável, em toda a sua extensão, e não só na parte funda, do meio.

Na visão dos barcos, quer os de Aracaju, quer os do Recife, um algo de frustrante me toca, à medida que não arranjotempo e talento para, de máquina fotográfica em mãos, máquina com lente e zoom de grande alcance e potência, aliás, me imiscuir na água ou em locais privilegiados, a fim de captar, pacientemente, em fotos, o barco, o pescador e o rio, e, ainda, em se cuidando do Recife, também da paisagem de sobrados e de edifícios, que lhe fica atrás, como forma de melhor situar o trabalho daqueles que vão tirar da pesca o seu sustento. O pescador, no barco, e o barco, no rio, a pintar a água com a sua sombra, no efeito que a máquina há de registrar para o sempre da foto. O acervo fotográfico dos dois rios nada ganha com o meu permanente projeto, não executado, até agora, nem nada perde com o material que sonho produzir. Mas, o fotógrafo, que reside em mim, molha os pés na água, muitas vezes turvas, se entronizando na lama, para, de instrumento na mão, buscar os melhores ângulos para as fotos que idealizo e que, fosse possível, captaria, em um, em o outro, as duas paisagens completamente diferentes, a proporcionar voos paraos meus sonhos, enquanto a realidade me encontra engravatado, escondido num gabinete, a produzir votos e votos, despeado da alma, que está lá fora, no rio, de barco em barco, a clicar imagens. O terrível conflito entre o julgador, que as circunstâncias me tornaram, e o fotógrafo, que busca na paisagem, que a natureza lhe proporciona, a oportunidade de apreender o belo, contentando-se, até agora, com o registro do por do sol, em imóveis rurais, que frequenta, aqui e ali, salpicando a foto com a presença de caatingueiras ou de arvoredo diverso, ou o por do sol em Aracaju, no cenário de serras (que formam a cordilheira que se finca em Itabaiana, ao longe), no traslado daquele momento em que o astro-rei, ao se recolher para o sono certo e noturno, permite ser colhido nessa intimidade de o deus que se apresenta de pijama, amarelando todo o céu. Os barcos me encantam os olhos, na confecção de uma verdade quase que diária de que os dois rios me devem, ainda, um monte de boas fotos, que, espero, ainda, concretizar, e, poder dizer, depois, meus filhos, eu os fotografei.


* vladimirsc@trf5.jus.br
Publicado no Diario de Pernambuco