terça-feira, 2 de novembro de 2010

UM MOSTEIRO ACABA, O PROJETO CONTINUA



Marcelo Barros(*)
http://marcelobarros.zip.net/
(irmarcelobarros@uol.com.br)


No final deste mês de outubro, a Congregação dos monges de Subiaco fechou definitivamente o mosteiro de Goiás. A comunidade beneditina de Goiás era um ponto de referência para pessoas crentes e não crentes, da cidade de Goiás e de outras partes do país e do mundo.

Na sua regra, São Bento diz que um mosteiro deve ser: “uma escola do serviço divino”, isto é, uma academia para que seus membros se exercitem em viver o projeto divino no mundo, como Jesus propôs. Infelizmente, com o tempo, muitas vezes, a vida religiosa se tornou um fim em si mesmo. As pessoas procuram mosteiros, apenas porque gostam de certo modo de viver. Quando muito, nutrem ambições pessoais: estudar, ordenar-se padre, etc. Mas, dificilmente, se integram em um projeto maior que vá além da vida interna da comunidade e vise a construção de um mundo novo possível.

Na cidade de Goiás, a pequena comunidade de monges procurava viver a vocação própria dos monges, inserida no mundo, como parábola do evangelho e exemplo de uma sociedade mais igualitária. Em 1977, por um convite de Dom Tomás Balduíno, então bispo de Goiás, três irmãos vieram do Paraná e se fixaram em um bairro de periferia da cidade. Em 1985, construíram o mosteiro. Era feito de casas simples e conjugadas entre si. Tinha uma Igreja sem paredes, em forma de tenda, aberta sobre o mundo. Dia e noite, acolhia quem quisesse chegar. As pessoas que vinham eram integradas nas atividades e orações da comunidade. Além dos monges, participavam da comunidade, leigos (homens e mulheres) que quisessem se associar àquela vocação.

No decorrer de vinte anos, o mosteiro de Goiás se tornou referência de apoio para as comunidades eclesiais de base, para o movimento bíblico no Brasil, para o diálogo entre culturas e entre religiões. A comunidade partia do princípio que a vocação de monge é elemento comum a toda vida humana. Qualquer pessoa que busca unificar-se interiormente, através do diálogo e da unidade com os outros, é, de alguma forma, monge ou monja.

Em 2005, os irmãos que viviam na comunidade sofreram um momento de tensões entre eles. O conflito é algo comum e acontece no caminho de qualquer grupo humano. A intervenção de superiores da Ordem e uma tentativa posterior de reorganizar a comunidade em um modelo mais tradicional não conseguiram garantir a continuidade do mosteiro.

Houve quem pensasse que o mosteiro de Goiás estava em crise porque tinha se afastado da observância da regra beneditina. O remédio seria voltar à tradição e à obediência à antiga estrutura. De fato, São Paulo já ensinava: a lei nunca salva. Só o Espírito e a graça divina podem dar vida nova a uma pessoa ou comunidade. Talvez com o tempo, as pessoas que contribuíram para o fechamento do mosteiro se dêem conta: todos perdem, quando não se respeita e valoriza a diversidade. Mesmo em sua fragilidade e com seus defeitos, a comunidade de Goiás colaborava com os outros mosteiros irmãos, ao insistir em viver sua vocação de um modo mais inculturado e diferente do estilo habitual de outros beneditinos do Ocidente.

Em 1933, em Lyon, (França), o padre Paul Couturier, pioneiro do movimento ecumênico, propunha um “mosteiro invisível”. Este mosteiro seria constituído por irmãos e irmãs que gostam de orar e procuram uma conversão permanente de si mesmos para colaborar com a transformação do mundo. Eles se sentem reunidos em uma comunidade que é invisível, mas real. Cada dia, esta comunidade reúne os irmãos onde estiverem, na oração pela unidade das Igrejas e pela colaboração entre as religiões. Este mosteiro não precisa de laços institucionais. As pessoas se reconhecem membros da comunidade pela causa a que se consagram. Se o mosteiro de Goiás deixou alguma herança, é esta: homens e mulheres dos mais diversos lugares podem continuar a viver o “compromisso evangélico” de apoio mútuo na missão de cada um/uma, aprimorando relações afetivas de solidariedade e irmandade. David Mari a Turoldo, padre, teólogo e poeta italiano, escreveu aos monges: “Não morem mais em conventos de parede, para que o coração de vocês não se torne de pedra. (...) Os monges devem se tornar mais livres, pés no asfalto e olhar sobre a terra. Que o mosteiro de vocês seja o mundo e a sua comunidade, o universo”.


(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.