terça-feira, 30 de novembro de 2010

CANCROS DA DÍVIDA PÚBLICA

                                                            

          Cancros da Dívida Pública
                  Obras Públicas
                             por
                J. A. Horta da Silva





(horta.silva@sapo.pt)


Entre os males responsáveis pelo aumento exacerbado da dívida pública portuguesa, encontram-se as derrapagens dos custos das empreitadas de obras públicas (OPs). Face à crise financeira que Portugal atravessa, é fácil entender a necessidade de suspender a construção do TGV, do Novo Aeroporto de Lisboa e de outras idiossincrasias, muito embora eu continue a defender a necessidade de uma linha de mercadorias de velocidade alta para colocar o Terminal de Carga do Porto de Sines no centro da Europa. A derrapagem dos custos das OPs é uma doença crónica da gestão portuguesa, a pontos de o Tribunal de Contas ter puxado as orelhas ao governo a propósito da Ponte Europa (Coimbra, mais 73 milhões de euros), da Casa da Música (Porto; mais 77 milhões de euros), do Aeroporto Sá Carneiro (Porto; mais 99 milhões de euros), do Metro até S.ta Apolónia (Lisboa; mais 31 milhões de euros) e do Túnel de Rossio (Lisboa; mais 9,5 milhões de euros) que, no seu conjunto, equivale a um agravamento próximo do dobro. Na derrapagem das contas do Estado relativamente a 2010, existe também um custo adicional nas obras das Portas do Mar (Ponta Delgada) que, segundo dados provisórios, atingirá a cifra de 22 milhões de euros (cerca de 50%).

As derrapagens nas obras públicas portuguesas não são de agora. Na vigência do Estado Novo também derraparam algumas obras importantes, como a barragem de Cambambe (Quanza - Angola) e a barragem do Carrapatelo (Douro), tal como depois do 25 de Abril também houve uma ou outra empreitada que correu bem (ex: Ponte Vasco da Gama). Mas a excepção confirma a regra. Empreendimentos como a Expo 98 e o Centro Cultural de Belém são exemplos funestos, sem justificação técnica aceitável.

Há momentos em que é preciso recolhermo-nos ao sabor da introspecção que fluí ao compasso da vivência, para se poder perguntar «por que razão sucede isto?» Uma empreitada tem de ser bem gerida e tem três grandes intervenientes: o dono da obra representado pela fiscalização, o empreiteiro e o projectista. O projectista tem a obrigação de assessorar o dono da obra, e os empreiteiros sempre procuraram tirar proveito das omissões e erros dos projectos, tentando obter trabalhos a mais sem desconto dos trabalhos a menos e cobrar indemnizações e revisão de preços. Pela parte da fiscalização, também é prática corrente proceder à aquisição extra de bens e serviços não contratualizados. Por outro lado, o Estado é mau pagador e tudo isto gera situações cinzentas, tanto mais difíceis de dirimir quanto menos precisos forem os contratos assinados pelas partes. Face ao estado do conhecimento, é difícil justificar um elevado conjunto de trabalhos a mais, a não ser em obras de grande complexidade e dimensão, que tenham ampla interdependência com as características geológico-geotécnicas dos terrenos, nomeadamente grandes barragens, túneis e infra-estruturas marítimas a consideráveis profundidades, sujeitas a imprevistos que dão lugar a situações delicadas. A prospecção geológico-geotécnica, por mais meticulosa e elaborada que seja, usa sempre um quê de inferência e a Natureza gosta de pregar partidas entre locais consecutivos de sondagens e ensaios “in situ”, mesmo quando os programas de prospecção são assentes em bons estudos geológicos de superfície. Em termos de projectos de arquitectura, de cálculo estrutural, de electricidade e outros, a dimensão do erro só é passível de ser justificada por incompetência ou demasiado arrojo dos projectistas. Deste ponto em diante, a qualidade da execução da obra está nas mãos do empreiteiro e da fiscalização que, não devem ter o mesmo ângulo de visão relativamente aos cadernos de encargos e aos cronogramas de faseamento dos trabalhos. Por isso, é do interesse público que as grandes OPs tenham um corpo de fiscalização escolhido a rigor, pormenor nem sempre acautelado.

E, por tudo isto, é difícil divisar futuro para um país pequeno, como Portugal, pobre em recursos naturais, assimétrico e cavernoso, cuja sociedade aparenta ser minada por labirintos cársicos ao longo dos quais fluí o facilitismo, o desenrasca, a falta de produtividade e uma amálgama de variegados interesses. Ninguém é verdadeiramente um modelo de virtudes, a concentração da abundância é cada vez mais obscura e equívoca, enquanto a miséria é cada vez menos um desencontro. Resta-me admitir que, durante a nossa efémera existência, nem sempre o que está mal acaba mal e o amanhã deve ser vivido sob o desígnio da esperança.

«Não sei se esta doença também afecta o Brasil de hoje!».