terça-feira, 26 de janeiro de 2010

ALMA ESTRANHA

Djanira Silva
djaniras@globo.com
http://blogdjanirasilva.blogspot.com/


Reciclada componho-me, recomponho-me, desintegro-me, renasço. Paro nos limites de mim. Não me encontro, não me reconheço. Sou uma estranha em minha própria estrada.
Por que sou esta mentira? Não nasci da terra onde me plantaram. Nunca pude falar de ausência, de fé, solidão e dor. Estou sempre atrasada. Preciso descansar de mim, do meu esquecimento, dos olhos que caminham à minha frente mostrando-me estradas de faz de contas.
Nunca estou disponível. Quando adormeço não sei para onde vou. Passageira clandestina, no sonho embarco sem destino.
O que me ensinaram de mim não me importa. É tão pouco e nem sei se é verdade. Nunca me disseram quem me descobriu ou me inventou.
A alma que tenho, parede opaca, sem luz sem cor, muda de mim a cada século , lembrança emparedada.
Estarei sempre voltando, nunca nas raízes.
Que mistério se esconde nestes mundos? Aqui cheguei sem nome. Revelo-me quando me pronuncio. Para entender a canção preciso cantá-la conhecer a serpente para saber-lhe o veneno.
Como explicar um mundo que nasceu da palavra saída das trevas?
Preciso me revoltar, a mansidão me cansa. Quero contender com a idéia fria, a palavra vazia, o pensamento subjugado. Sem revolta serei sempre uma coisa, apenas coisa, submersa num subterrâneo de metáforas e trevas. Sequer posso me transformar, me apagar, renascer.
Escondo-me a cada sofrimento, feito as estrelas diante do sol.
Para te esperar pus o vinho na taça, o nome, a palavra, a vida revelada.
Entro no teu ventre, concebo-me no teu sangue.



Obs: Texto retirado do livro da autora – Morte Cega –