terça-feira, 27 de outubro de 2009

Dr. PAULO TAGASHI NAGAI

D.Edvaldo Amaral (*)
(
dedvaldo@salesianosrec.org.br)


Dos escombros da hecatombe nuclear em Nagasaki (Japão), emerge a extraordinária figura do médico, pesquisador e católico Dr. Paulo Tagashi Nagai, o homem que amava a humanidade, o cristão que rezava pela paz, o esposo afetuoso e o pai carinhoso dos dois filhos que lhe restaram de sua família. Na casa que ficou chamada Nyokodo, ele viveu seus últimos dias, deitado num leito de sofrimento, escrevendo os livros que deixou como testemunho de sua fé inquebrantável. “Nyokodo – ele diz – é uma pequenina casa de um único aposento, com um pequeno altar e um armário de livros no lado norte e uma cama estreita onde estou deitado. O outro lado é uma parede branca, sem nenhuma ornamentação. Daqui se pode ver a Catedral de Urakami e a terra devastada pela explosão da bomba. Seu nome vem do preceito “Amai os outros como a vós mesmos”. Esta casa foi doada pelos amigos que amam como a si próprios este homem consumido, que perdeu sua casa, sua esposa, seus bens, sua carreira, sua saúde e hoje só tem um cérebro para pensar, olhos para ver e uma mão para escrever. E desde então esses amigos têm se devotado a doarem seu amor dentro desta casa para que este homem enfermo e seus dois pequenos filhos possam viver tranqüilamente.”


D. Nagai formou-se em medicina em 1932 e foi convocado para a guerra contra a China, onde serviu como médico militar por 2 anos e meio. De volta da guerra, foi morar na casa da família Mariyama, descendente dos cristãos de Urakami, que viveram duzentos anos clandestinos, escondidos nas montanhas, durante a grande perseguição da era Edo. Aí, ele recebeu um catecismo da única filha do casal, Midori, com quem se casou após sua conversão ao catolicismo e seu batismo. No Departamento de Radiologia do “Medical College” de Nagasaki, longamente exposto a altas taxas de radiação durante suas pesquisas, ele contraiiu leucemia por causa da precariedade dos equipamentos utilizados na época.

“Contei para minha esposa – narra ele - que eu tinha poucos anos de vida. Ela ouviu tudo, sem demonstrar nenhuma perturbação. No dia 8 de agosto, despedi-me dela e segui para meu trabalho no hospital. Foi a última despedida... Naquela noite, tive que permanecer no serviço médico e dormi na minha sala de trabalho. No dia seguinte, a bomba atômica caía sobre nossas cabeças. Eu estava ferido e pensava na minha esposa. Mas tive que ficar ainda três dias no hospital, atendendo aos casos mais urgentes. Só após esses dias, pude voltar ao lugar, onde era minha casa. Todos em torno de nossa casa haviam morrido. Procurei Midori e só fui encontrar seus restos no lugar onde era a cozinha, com o rosário ao lado com a cruz. Apertei ao peito com muito amor aqueles pedaços de seu corpo, ainda quentes, consumidos pelo fogo e levei-os para o cemitério. Parecia que ela me dizia: Desculpe-me, desculpe-me!”

Dr. Nagai fez um desenho representando Midori vestida de estrelas, subindo ao céu no topo do cogumelo atômico. Era esta sua profunda convicção. Como também ele diz que Nagasaki, a terra dos mártires, onde, no século 17, 26 mártires, chefiados por S. Paulo Miki, foram crucificados pela fidelidade ao evangelho de Jesus, fora escolhida por Deus para, com seu sacrifício, dar a suspirada paz ao Japão. Em sua cama de doente escrevia, cercado do carinho de seus dois filhos. Aí recebeu a visita da famosa cega, surda-muda, Helen Keller e do Imperador. Disse-lhe Hirohito: “Como está? Como vai sua doença? Eu rezo pelo seu rápido restabelecimento”. E voltando-se para seu médico Professor Tageura, recomendou o soberano: “Por favor, cuide bem dele”. “Como lhe sou grato por estas palavras!” – escreveu Dr. Nagai. O Papa lhe enviou um terço de presente e o Imperador um cálice de ouro. Mais de mil cartões com o pedido “Faça a Paz!” Dr. Tagashi espalhou por todo o Japão, com o apelo veemente: “Não mais bombas atômicas, depois de Nagasaki! A paz começa em Nagasaki – seja o brado em todos os lábios. Abandonem a guerra, parem com as guerras, antes de qualquer coisa, evitem a guerra. Vendo as faces dos mortos na explosão atômica, numa onda de lágrimas, eu deixei a pena e tomei o rosário para rezar...”

Aos 43 anos de idade, no dia 1° de maio de 1951, o grande médico e católico japonês faleceu no Nagasaki Medical College, deixando como testamento espiritual 13 livros, fruto de suas pesquisas científicas e suas reflexões cristãs sobre a hecatombe nuclear, dos quais ao menos dois foram traduzidos para o português: “Os sinos de Nagasaki” e “As contas de meu rosário”.


(*) É arcebispo emérito de Maceió.