terça-feira, 22 de setembro de 2009

WAKING LIFE

Padre Beto
www.padrebeto.com.br


Como nas quartas-feiras levanto muito cedo, costumo deitar por alguns minutos depois do almoço para recuperar as forças e continuar o trabalho do dia. Naquela quarta-feira, o cansaço era grande e, ao me deitar, acabei adormecendo rapidamente. Neste estado de inconsciência fui transportado para um parque, ou melhor, para um horto florestal. O lugar era simplesmente lindo: enormes árvores, diversos caminhos que levavam a diferentes direções e muita água; sim, haviam canais e lagos espalhados por todo o grande parque. Em seu centro encontrava-se uma passagem subterrânea. Podia-se descer e subir através de escadas rolantes (tipo primeiro mundo mesmo) e atingir o outro lado do parque. Eu me lembro que usava sandálias e, como não podia deixar de ser, tinha minha mochila nas costas. Ao descer por uma escada rolante querendo utilizar a passagem subterrânea notei, em um determinado momento, que havia esquecido, em algum lugar do lado de fora, minhas sandálias. Com uma certa inquietação procurei imediatamente voltar para a superfície subindo rapidamente por outra escada rolante.

Ao chegar do lado de fora, comecei a procurar as sandálias, mas, para minha surpresa, senti a falta de minha mochila. Eu a havia esquecido no subsolo, na passagem subterrânea. A partir deste momento estava realmente tomado de pânico. Com medo de perder a mochila corri para a escada rolante. Porém, antes de iniciar a descida, apareceu diante de mim um garoto. "Por que você está apavorado?", me perguntou o garoto com certa admiração. Eu fiquei parado enquanto ele ao abrir os braços, com um sorriso no rosto e uma tranqüilidade no olhar me disse: "Não tenha medo... é tudo um sonho mesmo!" Neste momento fui tomado por uma profunda paz e acordei.

Cada pessoa é um indivíduo, um "ser" próprio e único que se difere dos outros através de sua idiossincrasia, ou seja, através do que possui de mais particular. Este "ser", porém, não está solto no espaço, em algo indefinido, mas se encontra em algum lugar geograficamente localizável, em uma determinada cultura, envolvido em relações concretas e lutando pelas dificuldades próprias da condição social na qual está mergulhado. Podemos definir este estado geográfico, econômico e sócio-político de nosso "ser" com a expressão "existência". Existir é expressar o nosso "ser" em um concreto "estar aqui" que, por sua vez, significa um "ser no mundo". À medida que vamos "sendo no mundo", interagimos com diferentes fatores de nossa existência. Estes, por sua vez, dificultam ou facilitam o auto conhecimento, o crescimento e desenvolvimento de nosso ser. Nós começamos nossa existência em um país de terceiro mundo, fomos criados por uma determinada geração que nos introduziu em uma certa mentalidade e estamos em constante relação com as atuais mudanças da sociedade brasileira e de um mundo globalizado. A interação entre nosso ser e estes fatores vão moldando a imagem do nosso "estar aqui". Porém, graças a esta intensa relação com o meio e a necessidade de sobrevivência nele, acabamos nos esquecendo da diferença importante entre ser e existir. Muitas vezes, agimos como pequenas formigas que vivem em um ritmo acelerado e presas em uma rotina alienante. Os dias, as semanas e os meses passam "voando", pelo menos ganhamos esta impressão e temos aquele gostinho de que o viver está sempre no amanhã. Todo o problema se inicia quando perdemos a visão do todo. Nos envolvemos em problemas cotidianos (que são importantes para a sobrevivência, sem sombra de dúvidas) e nos esquecemos de que poderemos viver eternamente, mas, por aqui, existiremos somente por alguns anos. A vida é uma viagem de nosso "ser" e a existência o modo de viajar. Como diz a canção de Geraldo Azevedo, "repare essas velas no cais, que a vida é cigana". Por mais dificuldades que encontremos no caminho, ou melhor, justamente devido a estas dificuldades é necessário ter uma visão de que não podemos descer do carro. É impossível parar de viajar, mesmo que eu caia fora desta existência, uma vez surgindo na vida sempre estarei nela. Mas também não devemos pisar no acelerador e viajar em alta velocidade perdendo a oportunidade de olhar a paisagem pela janela. Antes de ficarmos apavorados procurando sandálias e mochilas é fundamental nos questionarmos sobre o sentido desta grande viagem. Um bom começo é assistir com atenção o filme "Waking Life", uma animação para adultos que oferece variados discursos sobre vida, sonho, existência e realidade. A nossa viagem por aqui talvez seja realmente um sonho, se ela não é agora, um dia, com certeza, será.