terça-feira, 14 de julho de 2009

SÃO BENTO E A NOVA ORDEM SOCIAL

Marcelo Barros(*)



Na Europa, festeja-se o 11 de julho como dia de São Bento, considerado padroeiro da Europa. Em um tempo no qual o Império Romano ruía e povos do Norte (que os romanos chamavam de bárbaros) se matavam em guerras, os mosteiros beneditinos fizeram comunidades inclusivas com populações locais, aprofundaram técnicas agrícolas como atividades que fixam os lavradores na terra. Assim, os mosteiros deram origens a muitas cidades européias e contribuíram enormemente para construir a convivência humana a partir da paz e da justiça. Constituíram-se como ensaios do projeto amoroso de Deus para o mundo (“escolas do serviço do Senhor”).

Mesmo em nossos tempos, em 1968, o tcheco Theodore Rozvak, teórico da contra-cultura, chegou a propor para o mundo o que ele chamou de “paradigma monástico”, uma civilização da sobriedade e na qual o bem comum passa à frente dos interesses individuais. Atualmente, o mundo precisa de parâmetros assim para estabelecer uma relação diferente e mais justa entre os seres humanos e com a natureza. Nos Estados Unidos, desde o final dos anos 60, tempo em que começou a guerra do Vietnam, monges como Thomas Merton e monjas engajadas na caminhada da paz, viajaram ao Oriente para estabelecer o diálogo com monges hindus e budistas, mas também para denunciar a guerra e se engajar em campanhas de paz e justiça para todo o mundo.

Na crise econômica vigente, governos transferem para bancos privados e empresas internacionais uma quantidade imensa de dinheiro público. O Le Monde Internacional Brasil afirma que foram 18 trilhões de dólares (junho 2009). Esta soma foi dada em seis meses para salvar da bancarrota empresas falidas, quando estes mesmos governos tiveram dificuldade de aplicar dois trilhões em 50 anos para salvar o mundo da pobreza injusta e evitar que multidões de seres humanos morressem de fome. Agora, com o agravamento da crise, diz a ONU que mais de um bilhão de pessoas têm suas vidas ameaçadas pela fome e pela miséria.
Economistas mundiais de prestígio apostam que a crise se abrirá em outras crises. Walden Bello anuncia que uma nova ordem capitalista está em gestação. Seus mentores são personalidades famosas e conhecidas como o primeiro ministro britânico Gordon Brown, o economista Jeffrey Sachs, o especulador George Soros, o ex-secretário geral da ONU Kofi Anan, o empresário Bill Gates e outros. Esta nova realidade que substituiria o neoliberalismo está sendo chamada de “socialdemocracia global” (SDG). Setores sociais mais abertos consideram que se poderia partir desta realidade para garantir novas conquistas sociais e democráticas para a sociedade do futuro.

Sem negar que a realidade se constrói dialeticamente e qualquer espaço de manobra tem de ser aproveitado, em vários países da América Latina, desponta um processo diverso. Movimentos sociais, indígenas, camponeses e gente de periferia urbana estão gestando uma nova realidade social e política. Trata-se de uma refundação do Estado, não como garantidor de bancos e empresas privadas, mas como gestor da coisa pública, em beneficio de todos os cidadãos. Ao mesmo tempo, se esboça uma radicalização da democracia como espaço de participação de toda a sociedade.
As dificuldades são muitas. Em Honduras, quando o presidente da República quis consultar o povo sobre a necessidade de uma nova constituição mais democrática e cidadã, um golpe militar o retirou do governo e o expulsou do país. Dizem que nos Estados Unidos não acontecem golpes militares para derrubar presidentes democraticamente eleitos, porque lá não existem embaixadas norte-americanas. Nos países latino-americanos, a novidade é que, pela primeira vez, os governos de todo o continente se uniram para defender a democracia e o direito do povo participar de um projeto real e popular.

Esta emergência dos movimentos sociais latino-americanos não tem ocorrido através de partidos políticos, nem de sindicatos. São movimentos de pessoas comuns e indicam nova valorização das culturas autóctones, indígenas e negras. No inicio da Idade Media, a proposta de São Bento de comunidades alternativas e estáveis, junto com outros fatores, foi fundamental para forjar uma nova civilização na Europa. Atualmente, na América Latina, uma espiritualidade humana e amplamente ecumênica poderá fundamentar novos valores sociais, políticos e econômicos. Não é uma nova esquerda, tão burocrática e fechada em seus dogmas, quanto a velha direita de sempre. Trata-se de um processo verdadeiramente comunitário que prioriza a educação popular e a participação de todos. Valoriza a afetuosidade, assim como o bem estar físico e espiritual, de todas as pessoas consideradas como sagradas e invioláveis. Esta revolução cultural, baseada em tradições ancestrais de nossos povos, redescobre a prioridade do serviço aos irmãos e da humildade como verdade fundamental do ser. São virtudes que a regra beneditina considera universais e podem ser um diferencial importante neste mundo sem rumo para gerir novas relações entre os seres humanos e com a natureza.



(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.