terça-feira, 30 de junho de 2009

S. JOSÉ DO QUADRINHO

E A PIEDADE POPULAR
Sebastião Heber (*)
shvc@oi.com.br



Na Capela do Coração de Maria, no Largo 2 de Julho, há uma devoção que está sendo retomada.É relacionada com S. José do Quadrinho. O novo capelão, Pe. Uelson Rodrigues de Souza, está revitalizando e incentivando essa devoção que ocupou um espaço no coração dos moradores daquela região e de outras partes de Salvador.

Tudo começou por conta de um incêndio na casa da família Albino dos Reis. Havia num dos quartos da casa um quadrinho com a imagem de S. José. Eis que um incêndio naquela residência atinge, sobretudo, o quarto onde estava o quadro. Mas o inusitado foi que, ao lado de tudo que pereceu no incêndio, permaneceu intacto o quadrinho de S. José. A notícia logo ultrapassou as fronteiras do bairro. As proprietárias da casa, ao restaurarem-na, recuperaram o quarto do santo e lá fizeram um altar com o quadrinho. A partir daí, a notícia correu e começou um costume de , às quartas feiras, as pessoas virem rezar o terço naquela minúscula capela. E começaram os fiéis a alcançar graças. Quando as irmãs, proprietárias do santo, morreram, o quadrinho foi para a Paróquia de S. Pedro, mas, de acordo com o desejo delas, foi depositado na capela do bairro, que é a do Coração de Maria.

A senhora Elza Renas, que convivera com elas, interessou-se em fazer essa transferência e cercada de outras pessoas devotas, o quadro foi entronizado na dita Capela. Tudo foi realizado sob a presidência de Mons. Trabuco. Depois de algum tempo, o quadro foi colocado no altar do Sagrado Coração de Jesus. Por conta de um vazamento no telhado, a igreja entrou em restauração e o quadro foi levado para o Desterro. Com o término dos trabalhos, o quadro foi recolocado na Capela e está num altar que traz o nome do santo. No dia de S. José, 19 de março, os fiéis acorrem com muitas expressões de devoção por conta da origem daquele quadro, tendo o capelão assumido com denodo essa devoção pois ele próprio se sente agraciado.

É já lugar comum dizer-se que a piedade oficial católica caracteriza-se muito mais pelo seu aspecto teórico, doutrinal, jurídico. De outro lado, a piedade popular – sobretudo na sua expressão de devoções, procissões - concretiza-se através de símbolos, do sentimento, é espontânea e contém o carisma do povo.

Nessas duas formas de piedade, que em princípio, não são antagônicas mas complementares, esses aspectos podem ser analisados sob o ponto de vista de uma abordagem científica.

Podemos afirmar sem medo de errar, que uma coisa é o corpo doutrinal da religião ( o “Depósito da Fé”), e outra coisa é a religião concreta nas suas múltiplas expressões, concretizada, encarnada, vivida pelos diversos grupos humanos. Um bom exemplo ilustrativo dessa verdade, é o Pe. Cícero do Juazeiro, que foi até excomungado, mas para o povo é o santo por excelência.

De fato, o catolicismo teórico, no sentido de “oficial”, doutrinal, tende a se concretizar na prática da vida, tendo não apenas uma dimensão espiritualista que salva a alma, mas que atinge os fiéis no seu todo, nas suas múltiplas necessidades. Na verdade, a devoção popular tem um caráter mais autônomo, mas muitas das suas expressões, como promessas e ex-votos, têm tido reconhecimento da Igreja Oficial. Tanto que para a beatificação e canonização dos santos, são necessários milagres comprovados, que tantas vezes têm sua gênese em situações de expressão bem popular. O que se nota é que, muitas vezes, falta no julgamento oficial dessas expressões, um conhecimento mais etnológico, uma reapropriação da importância dos símbolos e, até mesmo, uma dimensão antropológica subjacente a essas expressões – o que, na ausência dela, poderia aumentar ainda mais o distanciamento entre as partes. Importa ter-se em conta que a cosmovisão da piedade popular é mais lenta que a mudança social e política.

É ainda importante salientar duas dimensões nesse tipo de abordagem. A contemplativa corresponde à oficialidade, isto é, à racionalidade da devoção, enquanto para o povo é fundamental a participação. Se houve algum milagre, o povo recorre a ele, se há uma procissão, todos nela se integram e não ficam apenas a “assistir” o andor passar.
O Cura da Capela do Coração de Maria está de parabéns pelo empenho com que começou seu trabalho pastoral no Largo 2 de Julho.



(*) Sebastião Heber.Prof.Adjunto de Antropologia da Uneb, da Faculdade 2 de Julho e da Cairu. Membro do IGHB, da Academia Mater Salvatoris, do Instituto Genealógico da Bahia.