segunda-feira, 25 de maio de 2009

NÃO SE PODE FECHAR OS OLHOS

Padre Beto
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"Como se começa uma guerra, pai?", perguntou Pedrinho, ao chegar da escola. "Bom, meu filho, a coisa é assim... vamos pegar um exemplo... a Inglaterra entra em desacordo com os Estados Unidos por alguma razão..." "Não diga besteira", gritou a mãe da cozinha que atentamente ouvia a conversa do esposo com seu filho, "a Inglaterra nunca vai ter uma desavença com os Estados Unidos! Você não viu como os ingleses são 'empregadinhos' dos americanos!" "E quem está afirmando o contrário? Eu só queria dar um exemplo!", gritou o pai da sala. "Com tuas besteiras você só deixa o menino confuso!", falou a mãe com um tom de deboche. "O que? Eu deixo o menino confuso? Se a educação dele estive só em tuas mãos tudo estava perdido!", argumentou o pai já bem alterado. "O que você disse? Eu te proíbo de dizer seu..." Antes que a mãe continuasse com a briga, Pedrinho saindo para o quarto gritou: "Valeu, pai, agora eu já sei como se inicia uma guerra!"

Um dos grandes desafios da vida em sociedade sempre foi o estabelecimento da paz. Porém, antes de encontrá-la, é necessário que se saiba o que ela, na verdade, significa. Em primeiro lugar, paz exige muito mais que simplesmente ausência de guerra. A origem remota da palavra paz é o indo-europeu "pak", indicando, entre outros significados, o marco posto para fixar limites e evitar invasões. Para os gregos paz, "eirene", significava bem estar. Já em latim, "pax" surgiu da mesma família que "pactum" que expressava uma ordem assegurada por um contrato. Resumindo, paz constitui-se em uma boa convivência, ou seja, em um estado no qual a vida humana pode livremente desenvolver-se. Apesar da pomba ser hoje o símbolo mais conhecido da paz, na antiguidade utilizava-se para representá-la, o símbolo da fortuna (o chifre recheado de frutas e especiarias). Como afirma Sêneca, um pré-requisito para a paz é o bem estar da pessoa humana. Sem prosperidade no sentido amplo da palavra é impossível se falar em paz. Ter paz significa viver uma relação harmoniosa em três dimensões: no relacionamento consigo mesmo, com os outros e com a sociedade. Neste sentido, dou o primeiro passo para viver em paz, quando procuro me interessar por minha condição humana, pela condição das pessoas com quem convivo e quando questiono sobre a situação de minha sociedade. A partir do momento que vivemos o interesse pela vida nestas três dimensões, estamos à caminho da paz. Interessar-se, porém, significa comprometer-se em modificar aquilo que está limitando o desenvolvimento da vida, ou seja, ir contra a todas as barreiras que nos impedem de sermos mais felizes. Justamente aqui compreendemos que não existe paz sem conflito. O inverso da moeda também é verdadeiro: nem todo estado de não violência significa paz. Nós podemos viver em uma sociedade não violenta, mas nem por isso teremos automaticamente a tão almejada paz. Podemos, sim, ter uma "paz de cemitério", onde encontramos silêncio e quietude, afinal todos estão mortos, cada um em seu devido túmulo. A paz dos vivos é solidificada pelo conflito, pela discussão, pelo verdadeiro relacionamento. Neste encontramos a liberdade de tematizar os problemas que enfrentamos e buscar suas soluções. Seja no âmbito individual, nas relações interpessoais ou na vida social, somente o enfrentamento dos conflitos nos leva realmente a encontrar soluções e a um estado de verdadeira paz. Assim, no que se refere à esfera social... Tomás de Aquino tem toda a razão quando diz que a paz se constitui em uma vida social baseada na justiça. Para isso é necessário que a sociedade discuta o que significa justiça social e enfrente os desafios de realizá-la. Se isso não acontece, encontramos sempre duas atitudes: a resignação e a criminalidade. Esta última é uma reação inconsciente ao descaso e perda de valores humanos de uma sociedade. Não podemos esquecer que a criminalidade, a existência de poderes paralelos aos do Estado são reações à ausência de justiça: melhor distribuição de renda, aplicação eficaz das leis, um sistema penitenciário baseado no trabalho e no estudo e não simplesmente na reclusão, um sistema educacional e de saúde que venha atender a toda a população, etc. Não poderemos viver a paz em uma sociedade na qual favelados necessitam do narcotráfico para ter acesso ao dinheiro, creches, diversão, etc. Fundamental é entender que não construímos a paz em uma cidade do interior do Estado de São Paulo protestando contra a guerra no Iraque, mas sim discutindo abertamente a situação de sua periferia, da falta de visão administrativa de nossos governantes, etc. A verdadeira paz surge da consciência política de que "a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte... A gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte. A gente não quer só comida, a gente quer bebida, diversão, balé. A gente não quer só comida, a gente quer a vida, como a vida quer..." (Arnaldo Antunes).