terça-feira, 22 de junho de 2010

MENSAGEM DE PÁSCOA – PARTE II



2. PAIXÃO DE CRISTO, PAIXÃO DO POVO
Dom Sebastião Armando Gameleira Soares *
sgameleira@gmail.com


É inevitável que a Semana Santa seja momento de tristeza e sofrimento interior. Não é “tristeza teologal”, mas afetiva e, acrescentaria, “tristeza política”. É que, em nós e em torno de nós, a cruz continua erguida. Estamos permanentemente ao pé da cruz, corajosamente, como Maria e João, ou com pavor a olhar à distância, como tantos outros naquela sexta-feira, ou a fugir, negar e trair, como tantos discípulos.

Num momento assim, é o caso de recitar o SL 133: “Como é bom estarmos aqui juntos!” Precisamos de aconchego, de consolo mútuo, de amparar-nos e ser suporte uns para os outros. Na verdade, a humanidade é um oceano de dor. Dores de natureza diversa, mas o que mais dói é a dor infligida pela incompreensível perversidade humana. No famoso filme “Paixão de Cristo”, Mel Gibson exagera em crueldade e sangue. Foi muito criticado por essa liberdade de “deturpar” a história. Pergunto-me se, por intuição de artista, não se sentiu impelido a concentrar em Jesus o que realmente caracteriza nossa época de crueldade e violência: “Eis o Homem”. Lembremo-nos de que o século XX é chamado o “século dos mártires”. Neste momento de profunda crise da civilização, revela-se sem máscaras o que de verdade alimenta o tecido do que temos construído, a vilolência. .

Tenho o costume de escolher um livro para leitura quaresmal, que me ajude a meditar e, de algum modo, reviver o mistério da Paixão, vivê-lo em sua atualidade. Nesta Quaresma estou lendo “A História Secreta do Império Americano”, de John Perkins. Seu livro anterior se intitula “Confissões de um Assassino Econômico”. É estarrecedor:

- das 53 nações africanas, 43 sofrem de fome crônica;

- as empresas estrangeiras multinacionais exploram todos os recursos naturais;

- as guerras e conflitos tribais são induzidos e provocados como fonte de lucro para a indústria e governos, sem falar nas guerras pelo petróleo;

- a expectativa média de vida é de 46 anos;

- cerca de trinta milhões de pessoas com HIV, e milhões de órfãos por causa da AIDS;

- em 1998, quatro milhões de pessoas foram mortas na República Popular do Congo e dois milhões de pessoas numa guerra que já dura vinte anos no Sudão;

- conflitos étnicos, culturais e tribais têm peso nas guerras, mas a causa principal é a apropriação de recursos minerais particularmente importantes para a produção de equipamentos eletrônicos como celulares e laptops;

- se um presidente de república anuncia reformas para que as riquezas do país sejam para benefício de seu povo, primeiro vem a tentativa de corrompê-lo; em seguida, a desestabilização política, e finalmente o assassinato, nem que seja mediante “acidente” aéreo… Isso não só na África.

Quando lemos depoimentos tão chocantes, percebemos com toda força o quanto é oportuno o tema da Campanha da Fraternidade e quão pedagógica é nossa participação: somos chamados em todo o país a refletir e agir para que se mudem os rumos da economia no mundo. Temos de pensar, decidir a atuar de nova maneira em relação ao dinheiro – não podemos “servir a Deus e ao Dinheiro”. O livro a que me referi é escrito por alguém que se confessa ter sido por anos um “assassino econômico” a serviço de governos e empresas que lucram da exploração e da morte das pessoas nos países mais pobres. Os caminhos do mundo estão empapados de sangue, e nossas vestes também. Ninguém é inocente. Se nossa culpa não vem pelo que fazemos, vem pelo que temos deixado de fazer. A pergunta de Deus é para cada qual de nós: o que eu mesmo posso fazer para que esta sociedade seja melhor? O que eu posso fazer com outras pessoas para que esta sociedade seja melhor? As pessoas sofredoras, pelo mundo afora, precisam de uma Igreja que possa recitar com toda verdade o Sl 133, uma Igreja que seja realmente comunidade a serviço da vida, uma Igreja que se importe com a sociedade e que seja solidária com a sorte dos pobres. Como manter nossos padrões, cada vez mais sofisticados de consumo, e o desperdício que degrada as fontes da vida, quando seres humanos estão morrendo a nosso lado e a própria terra implora e grita por cuidado e carinho?

(Em 11 de abril de 2010)

* Bispo da Diocese Anglicana do Recife – DAR
www.dar.ieab.org.br


Obs: A PARTE III (Conclusão) será postada no próximo dia 29